O ritual anual de lançamento do iPhone segue movimentos previsíveis: a esteira de rumores por meses a fio; o convite da Apple enviado à imprensa no início de setembro; o evento de apresentação do novo modelo em meados de setembro; os reviews norte-americanos que saem uma semana depois; e, afinal, o início das vendas no fim do mês — lá fora, pelo menos.
É quase enfadonho, e isso é uma ótima notícia para nós, consumidores.
O iPhone 13, apresentado no último dia 14, é pouca coisa diferente do iPhone 12, lançado um ano antes. Não que ele não tenha trazido mudanças e melhorias — a bateria está maior e, diz a Apple, as câmeras são todas novas —, é só que elas importam menos agora, reflexo natural da maturidade da categoria. Afinal, não é como se as câmeras do iPhone 12 fossem ruins; longe disso.
R$ 6.599 a R$ 15.499
é a faixa de preço do iPhone 13 no Brasil.
Para mim, a curiosidade com o iPhone do ano tem dividido espaço com a expectativa pela análise do Brian X. Chen, do New York Times. Da avalanche de textos e vídeos que colocam sob a lupa as melhorias tangenciais alardeadas pela Apple, as opiniões de Brian se destacam. Para ele, o novo iPhone é incrível, mas não muito mais que o anterior. E o que veio antes desse. E seu antecessor. Ele só aconselha a troca se o seu iPhone for de três gerações atrás. Em 2021, cravou no título: “iPhone 13: a atualização mais incremental de todas”.
Talvez este seja o novo normal. Nunca houve tantos incentivos e motivos para segurar o mesmo celular pelo maior tempo possível.
Na última segunda-feira (20), por exemplo, o iOS 15 chegou a todos os iPhones lançados nos últimos seis anos, até ao longínquo iPhone 6S de 2015. É o mesmo sistema que roda no novíssimo iPhone 13, menos alguns recursos específicos, nenhum vital, que demandam tecnologias desenvolvidas nesse intervalo.
No universo Android, aos poucos o padrão 3+4, ou seja, 3 grandes atualizações do Android e 4 anos de atualizações de segurança, começa a ser estabelecido. Samsung e Xiaomi, marcas que lideram o ranking global de vendas, já oferecem vários aparelhos com essa garantia.
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Não é por acaso. De um lado, a já referida maturidade dos dispositivos permite que eles aguentem novidades em software sem engasgos por mais tempo. A evolução de chips está batendo em limites físicos ou muito caros para serem transpostos. Do outro, as pressões de consumidores e governos por atitudes mais sustentáveis da indústria precisam de respostas, e estender a vida útil dos aparelhos é das melhores que poderíamos querer — é bom para o bolso e excelente para o meio ambiente. Em meio a tudo isso, crises como a dos chips desaceleram ainda mais o ritmo do mercado.
Numa atitude quase paradoxal, o platô tecnológico e o compromisso com atualizações de software a longo prazo têm levado as fabricantes a estratégias diversificadas, menos focadas nos produtos em si, para manter os gráficos de vendas apontando para cima.
Da China, por exemplo, veio a de inundar o mercado com vários lançamentos no mesmo ano fiscal, característica de marcas como Xiaomi, Motorola (uma marca da Lenovo) e da sul-coreana Samsung. Outra, adotada por Apple e Samsung (em seus modelos topo de linha), é a de se venderem como marcas de “lifestyle”, com campanhas publicitárias em que modelos e famosos dividem espaço com seus últimos e caríssimos lançamentos. É como se dissessem: “Se o seu celular não dobra ao meio ou tem as câmeras na diagonal em vez de alinhadas na vertical, sinto muito, você está por fora”.
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Não é nada muito diferente de outros setores consolidados, como o automotivo. A última coisa que os comerciais de carros citam são características dos carros que tentam vender. Em vez disso, eles vendem liberdade, poder e ficções como dirigir em uma São Paulo sem engarrafamentos.
Essas movimentações da indústria de celulares acontece num momento curioso. De um lado, a internet das coisas tenta transformar tudo — até carros — em celulares, com atualizações constantes, incrementais, lançadas numa cadência curta, anual. Ao mesmo tempo, a maturidade dos celulares tirou muito da complexidade na hora da compra, comum até uns anos atrás. Hoje alguém pode chegar numa loja, pegar o modelo que couber no orçamento e só voltar a pensar em outro aparelho quando esse quebrar. A sequência de novas versões incrementais do iPhone (e de outras marcas e modelos) “significa que você pode curtir seu celular por anos sem sentir falta de qualquer coisa grandiosa”, resume Brian no NYT.
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Em outras palavras, e a despeito dos esforços da indústria em espremer recursos que parecem mais importante nos comerciais do que são de fato na prática, hoje alguém compra celulares como se compra geladeira. Você já se estressou comparando especificações de geladeira? Pois é, nem eu.