A In Loco, startup brasileira especializada em geolocalização, colocou sua tecnologia à disposição de órgãos públicos e autoridades no combate à disseminação do coronavírus. Com uma base que abrange mais de 60 milhões de dispositivos móveis em todas as regiões do Brasil e uma precisão seis vezes maior que a do GPS, a empresa criou o Índice de Isolamento Social. Por meio dele a In Loco estima que, na segunda-feira (30), 57% da população brasileira, de fato, entendeu o recado das autoridades de saúde e estava ficando em casa. O número desta terça-feira ainda estava sendo calculado até o momento da publicação deste artigo.

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A ideia surgiu no sábado retrasado, durante uma reunião de revisão de planejamento da empresa em meio à crise. Na terça-feira seguinte, os testes começaram com a cidade de Recife, Pernambuco, onde a startup nasceu.
“(Na reunião) veio a ideia de que, se a medida mais importante a ser tomada neste momento é a do distanciamento social, quem consegue medir isso é a gente. E acho que a coisa mais difícil nesse momento é medir isso, já que estamos falando de um país continental. Outras maneiras de fazer isso, como colocar os policiais nas ruas, não daria certo. Começamos a testar em Recife e, em poucos dias, vimos que funcionava”, conta o CEO da In Loco, André Ferraz.
Segundo Ferraz, 20 estados brasileiros já estão em contato com a startup e estão usando a ferramenta em fase pré-operacional (o acesso aos dados já existe, mas as equipes governamentais ainda estão aprendendo com usá-los) ou operacional (equipes próprias já treinadas e utilizando a ferramenta).
Além do Brasil, a In Loco também está em contato com outros países da América Latina (México, Argentina e Colômbia) e também da Europa (Itália) para oferecer a mesma tecnologia a eles.
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No Brasil, os dados devem ser abertos a toda a população, em uma página na Internet, ainda nesta semana. Nela, todos poderão ver o score (percentual de isolamento) nacional, e também acompanhar a evolução desse dado dia a dia. Para os governos estaduais e municipais, que precisam mais urgentemente desses dados, a empresa já está trabalhando em uma atualização por hora.
Assim que a gente conseguir estabilizar a ferramenta e deixá-la mais robusta para receber a carga (de dados), nós vamos liberar a nova versão (de hora em hora) para a população também. Queremos levar essa tecnologia para o mundo
André Ferraz, CEO da In Loco.
Como funciona a ferramenta de geolocalização da In Loco?
Para quem se pergunta como a startup consegue fazer isso, é bastante simples: a unidade de software da In Loco está integrada a uma série de aplicativos de parceiros, de grandes bancos a varejistas. A tecnologia da In Loco ajuda esses apps com ações de autenticação e verificação de segurança e anti-fraude, além de usos como a contagem de visitas em um determinado estabelecimento. Mas o mais importante é que isso é feito de forma anônima. Ou seja, a única informação de fato coletada dos dispositivos móveis é a sua localização. Dados como o nome da pessoa que possui ou usa o dispositivo, assim como seu CPF ou outras informações não são coletadas.
“Outra questão fundamental (da ferramenta) e que está sendo debatida em todo o mundo é a privacidade. Outras tecnologias não estavam preparadas para isso, e isso já é uma missão na In Loco desde o começo”, explica Ferraz.
Para compor o Índice de Isolamento Social, essas informações de deslocamento dos dispositivos formam uma espécie de impressão digital. Essas informações são criptografadas e agregadas. Feito isso, os dados passam a indicar a movimentação das pessoas em um determinado espaço.
Como parâmetro, para estados e cidades, a In Loco usa os dados do IBGE. Dentro das cidades, a medida utilizada é um raio de 400 metros. Desta forma, um alto percentual de isolamento representa um pequeno número de pessoas entrando ou saindo de determinada região.

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Como os dados da In Loco podem ser usados no combate à Covid-19?
O uso mais imediato da ferramenta, e que está sendo apresentado agora para estados e cidades, é o de identificação de regiões que não estão cumprindo com as recomendações de distanciamento social. Com essa informação em mãos, os governo estaduais e municipais podem atuar de forma mais assertiva na conscientização da população. A tecnologia permite também enviar alertas por notificação push via aplicativos do próprio governo, como os de transporte público, por exemplo.
Outro uso possível e em estudo no momento é o de medição de aglomerações em supermercados, farmácias e hospitais. “Podemos utilizar isso para duas coisas: no caso de hospitais, os governos podem alocar de maneira mais eficiente tanto pacientes, quanto profissionais de saúde; e no caso de farmácias e supermercados, a ideia é informar o consumidor final sobre se nesses locais há um risco maior (de contágio) em razão do número de pessoas, indicando também outra farmácia ou supermercado próximo onde ele possa ir”, explica Ferraz. A definição de um parâmetro para esse segundo uso é relativamente fácil, já que a In Loco possível um histórico do que seria a movimentação normal nesses locais antes da Covid-19.
Modelo de negócios em revisão
Com uma parte dos 200 funcionários focada no novo projeto, a In Loco também está revendo sua operação. Em fevereiro, a empresa abriu um escritório nos Estados Unidos, usando 60% do último aporte de R$ 80 milhões recebido ainda em 2019. O objetivo é desbravar o país e, acima de tudo, aprender mais sobre geolocalização na era da Internet das Coisas e no país onde as questões de privacidade são mais colocadas à prova.
No Brasil, a In Loco tem clientes tão diversos quanto Santander, Magalu, Hering e Banco Original. O foco da startup são empresas aplicativos e cujas operações online tenham forte conexão com as operações offline.
Nesse contexto, a empresa atuava principalmente em dois segmentos, o financeiro (com foco em soluções de segurança e prevenção a fraudes) e o de varejo (soluções de medição e geração de fluxo em lojas físicas). Neste momento, essa última atuação está “pausada”. “Fizemos isso não só por uma questão de negócio, mas porque seria nocivo para a saúde da população (trabalhar esse tipo de ação)”, ressalta o CEO da empresa.
O Índice de Isolamento Social acabou abrindo os olhos da empresa também para aplicações urbanas da sua tecnologia e para a relação com o setor público. Mas ainda é muito cedo para pensar se a ideia, hoje oferecida gratuitamente a países, estados e municípios, pode dar origem a um novo produto comercial da In Loco.
“Neste momento, estamos focados em usar a tecnologia para ter um impacto positivo na sociedade, do que como modelo comercial. Eu espero que a gente como empresa não desvie o nosso foco porque a gente já está trabalhando há bastante tempo com algo bastante específico que é resolver o problema da privacidade lá na frente, quando a Internet das Coisas for uma realidade. E esse já é um problema muito grande para ser resolvido”, enfatiza Ferraz.