Completamente reinventado, o MacBook de 14 e 16 polegadas usa os novos chips M1 Pro e M1 Max. Foto: Divulgação.
Tecnologia

Às vezes, o consumidor sabe o que quer (e até a Apple escuta)

Depois de nos fazer, finalmente, comprar celular como se compra geladeira, a mais bem sucedida empresa de consumo da história também aprendeu a errar e voltar atrás

O sucesso nos negócios cria o risco de tornar presunçosos alguns empreendedores. Um caso clássico é o daquele que desdenha a capacidade cognitiva da clientela. “Eles não sabem o que querem”, alegam. Nem sempre é o caso.

Talvez os dois maiores expoentes desse modo de pensar tenham sido Henry Ford e Steve Jobs. O primeiro, responsável por popularizar o carro, teria dito que “se você perguntasse às pessoas o que elas queriam, elas teriam dito cavalos mais rápidos.” As cidades movidas a equinos tinham uma série de problemas, mas, em retrospecto e já sofrendo os efeitos da catástrofe climática e da degradação do espaço urbano, causados em grande medida pelos carros particulares, talvez cavalos mais rápidos não fossem uma ideia tão ruim assim, afinal.

Jobs, co-fundador e imagem da Apple, a empresa de consumo mais bem sucedida da história, foi mais incisivo. “Alguns dizem, ‘dê aos consumidores o que eles querem’, mas essa não é a minha abordagem”, disse ele certa vez. “Nosso trabalho é descobrir o que as pessoas querem antes que elas queiram. As pessoas não sabem o que querem até que você mostre a elas. É por isso que não confio em pesquisas de mercado. Nossa tarefa é ler as coisas que ainda não estão escritas.”

LEIA TAMBÉM: iPhone 13 chegou e, enfim, estamos comprando celular como se compra geladeira

É uma abordagem inegavelmente válida vindo de quem vem, o executivo por trás de sucessos estrondosos — Macintosh, iPod, iPad —, em especial o iPhone, o produto manufaturado mais impactante das últimas décadas, quiçá do século. Mas não é receita de bolo, ou seja, não funciona em todas as ocasiões. Nem mesmo dentro da própria Apple.

Por motivos que nos escapam, pois nunca foram manifestados de forma honesta, sem a maquiagem publicitária, em 2016 a Apple trocou a variedade de portas e conexões do MacBook Pro, seu notebook premium, por apenas um tipo, o USB-C/Thunderbolt; substituiu uma fileira do teclado, aquela onde ficavam as teclas F1–12 e Esc, por uma faixa de tela sensível a toques que se metamorfoseava de acordo com o aplicativo em destaque, a Touch Bar; e trocou um teclado perfeitamente funcional e elogiado pelos consumidores por outro mais fino e, descobriu-se rapidamente, suscetível a falhas graves causadas por corpos estranhos, porém mundanos e inevitáveis, como poeira.

Não foi por essas mudanças que a Apple continuou vendendo notebooks. Foi apesar delas. À chuva de críticas, a empresa respondia dobrando as apostas, independentemente da choradeira — justificada — dos consumidores. 

LEIA TAMBÉM: Um país dependente do WhatsApp e a quebra de monopólios

A Apple passou três anos remendando e justificando seu novo teclado, modelo “borboleta”, até trazer de volta o modelo anterior no MacBook Pro de 16 polegadas de 2019, como se nada tivesse acontecido. Sem cerimônia, a empresa reconheceu que o consumidor preferia um teclado funcional e que não trava de modo irremediável com um farelo em vez de um notebook mais fino e um teclado ruim. Uma concessão, das raras que a Apple faz.

Nesta segunda (18), veio a redenção. Cinco anos depois, os novos MacBook Pro de 14 e 16 polegadas revertem todas as decisões controversas e universalmente odiadas que a Apple implementou em 2016, e pavimentam uma nova era nos computadores portáteis da marca e, esperamos, na indústria, graças ao “efeito halo” que a Apple exerce sobre outras fabricantes e a expectativa dos consumidores.

Em vez de portas USB-C/Thunderbolt, que exigiam do consumidor a aquisição de um punhado de adaptadores desengonçados e caros, voltaram a porta HDMI, o conector de cartões de memória e o conector de energia MagSafe.

A Touch Bar deu lugar a uma fileira de boas e velhas teclas F1–12 e, agora, está relegada ao modelo de 13 polegadas, que continua em linha, mas que não deve resistir além disso.

LEIA TAMBÉM: Como seriam as lojas de apps com sistemas de pagamentos alternativos?

E o MagSafe! Um conector de energia que fica bem preso ao notebook, mas que se desgruda facilmente caso seja puxado abruptamente, como quando alguém tropeça no fio. O MagSafe é aquele tipo de detalhe que faz a fama da Apple, de empresa que pensa nos detalhes.

Os novos notebooks parecem sucessores do MacBook Pro de 2015, não do MacBook Pro de 2020. “Revolucionário”, diz a Apple no comunicado à imprensa. De novo mesmo, os novos notebooks trazem chips super rápidos, da própria Apple, e provavelmente a melhor tela disponível em um notebook no momento. Parecem ser ótimos produtos. Mais caros, mas querer preços baixos da Apple é uma batalha perdida.

Como não dá para ganhar todas, o que se verifica pelos já mencionados preços estratosféricos que a Apple pratica, a cota de controvérsia dos novos notebooks é cumprida pelo entalhe na tela. Sim, tipo aquele do iPhone. E não, não existe o Face ID nesses notebooks, recurso que talvez justificasse o entalhe. Isso, mais o fato de que outras fabricantes, como Dell e Lenovo, já conseguem fazer bordas finíssimas mantendo a webcam no lugar onde se espera elas, deixam aquele retângulo preto no meio da tela do MacBook Pro meio indigesto. De todas as atrocidades feitas com o MacBook Pro nos últimos cinco anos, porém, o entalhe é um detalhe fácil de ignorar.

LEIA TAMBÉM: Como a mineira Obabox se reinventou com celular para idosos e robô aspirador de pó com nome de pet

Frases como as de Jobs e Ford são populares no LinkedIn e em pitches de empreendedores de palco porque fogem do lugar comum, são ousadas, mas é pouco provável que a Apple ou qualquer outra empresa ignore por completo o retorno dos consumidores, mesmo quando Jobs liderava a empresa. Talvez o melhor caminho seja o do meio. Atender a todos os pedidos de todos os consumidores tampouco é a resposta — o carro do Homer Simpson que o diga.

Coincidência ou não, o desastre do redesenho do Safari, navegador da Apple, teve vida bem mais curta que a do MacBook Pro anti-consumidor. Apresentado em junho, na WWDC, com um layout radicalmente diferente, o Safari 15 foi objeto de inúmeras experimentações nas versões de testes do macOS 12 Monterey, que chega aos consumidores em versão final nesta segunda (25). No último segundo, a Apple capitulou e o Safari 15 virá, por padrão, virtualmente idêntico ao do macOS 11 Big Sur. Em vez de cinco anos, este equívoco durou quatro meses.

Às vezes o consumidor sabe o que quer e está satisfeito com o que tem.

Keywords