O mercado da tecnologia foi pego de surpresa em fevereiro de 2014 quando o Facebook, já a maior rede social do mundo, adquiriu por US$ 19 bilhões o WhatsApp. Por um lado, fazia sentido para Mark Zuckerberg aumentar o seu império: o aplicativo já era um dos mensageiros mais utilizados no mundo, com 450 milhões de usuários ativos mensais, e a empresa havia comprado o Instagram em estratégia similar dois anos antes. Por outro, uma dúvida surgiu: como o serviço de conversas vai agregar no generoso relatório financeiro da empresa?
A resposta até agora continua a mesma: ele simplesmente não agrega.
Tirando o fato de ter cobrado US$ 1 anual em algumas regiões até 2016, quando a prática deixou de existir, o mensageiro não contribuiu nem contribui em receita para a companhia, que lucra principalmente graças aos sistemas de anúncio no Facebook e Instagram.
Especulações a respeito de uma possível monetização vêm e voltam, mas nunca se concretizam, seja na forma de banners na interface ou no serviço Status, uma cópia dos Stories do Instagram — que, por sua vez, são uma cópia direta do Snapchat, o que rende um texto por si em outra oportunidade.
Mas a empresa parece ter encontrado finalmente uma forma de ganhar dinheiro com o aplicativo e, consequentemente, transformá-lo em algo muito maior do que um serviço de bate-papo.
Em testes há cerca de dois anos, um sistema de pagamentos embutido no WhatsApp deve ser oficializado nos próximos meses. E ele vai não só modificar o modelo de negócios da companhia, mas principalmente abrir novos horizontes de mercado para muitas regiões.
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Muito além das conversas
O WhatsApp Payments deve funcionar como um facilitador de transferências bancárias. A ideia é que cada dono de uma conta no mensageiro (ou seja, de um número de telefone) vincule o perfil a um cartão de crédito. Assim, é possível receber e enviar quantias aos contatos adicionados por meio dessa carteira virtual, de uma forma tão intuitiva quando começar uma conversa.
É tentador imaginar a facilidade que pode ser gerada com isso, como, por exemplo, dividir uma compra com os amigos pelo aplicativo, ou até mesmo cobrar aquele dinheiro emprestado de alguém
Pense no seu círculo de amigos e familiares: por menos familiarizadas que algumas pessoas sejam com novas tecnologias, é difícil encontrar alguém que ainda não tenha o WhatsApp, mesmo que apenas para emergências.
Agora, o serviço iniciou os testes na Índia e recebeu a aprovação do equivalente ao Banco Central no país para operar. A escolha é justificável: trata-se do maior mercado do WhatsApp, com cerca de 20% da base de instalações, mas esse não é o único local que deve abraçar em massa essa novidade.
México e Brasil são alguns dos próximos na lista, e a América Latina como um todo é uma região que adotou o serviço como parte do cotidiano. Aliás, a empresa sabe dessa importância, tanto que escolheu o Brasil como tema e público-alvo de sua primeira campanha publicitária mundial.
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Muita calma nessa hora
A chegada eventual do WhatsApp Pay aos principais mercados do mensageiro deve causar muitas mudanças na utilização do aplicativo. Para começar, a questão de segurança deve ser reforçada: se golpes executados por cibercriminosos atualmente roubam perfis e dados pessoais por meio das janelas de conversa, eles logo terão um novo alvo e vão exigir mais cuidados da companhia, além de atenção redobrada da comunidade.
Na conferência em que anunciou o andamento dos testes com o serviço, Zuckerberg afirmou que “enviar dinheiro é tão fácil quanto mandar uma foto” pelo aplicativo.
Essa comparação, à primeira vista, empolga pela praticidade prometida, mas também preocupa. Afinal, nossas economias exigem cuidado e não são iguais a um meme ou GIF animado que circulam em alta velocidade no aplicativo.
Vale destacar ainda que o WhatsApp não estará sozinho nesse mercado: Google, Apple, PayPal e Samsung são só algumas das gigantes que oferecem carteiras virtuais para a aquisição de produtos online, enquanto aplicativos como PicPay e PagSeguro já oferecem alternativas nacionais similares.
Essas concorrentes devem ter algum tempo de preparação: a utilização do WhatsApp Pay envolve certa burocracia para ser aprovado tanto por parte do governo quanto das instituições que virarem parceiras. Estamos falando de uma janela de meses, mas o Facebook está ciente dos prazos e está escalando o serviço aos poucos. Será uma rivalidade interessante de acompanhar.
Os desafios são mesmo vários, mas parece que o Facebook tem algumas cartas na manga. Uma delas é a popularidade: a base de possíveis membros já está consolidada e envolve pessoas que passam o dia trocando mensagens na plataforma.
Em fevereiro deste ano, o WhatsApp ultrapassou a marca de dois bilhões de usuários em todo o mundo e segue como um dos aplicativos mais baixados para Android e iOS, os dois sistemas operacionais móveis dominantes do mercado. Ou seja, mesmo que uma eventual taxa cobrada pela empresa seja de alguns centavos por transferência ou valores totalmente cobertos pelos bancos, o uso do WhatsApp é massivo o suficiente para fazer a implementação do serviço valer a pena.
Poucos cliques de distância

A outra arma é uma aplicação específica do sistema de pagamentos dentro do WhatsApp Business, o aplicativo da marca voltado para pequenas e médias empresas. Esse é o segmento que mais pode se beneficiar da plataforma – afinal, muitos vendedores informais e comércios locais têm no aplicativo o seu principal canal de comunicação com o consumidor.
Centralizar o pagamento na mesma plataforma em que ocorre o contato entre as partes pode intensificar vendas que já seriam frequentes e alavancar estabelecimentos
Voltando ao panorama inicial, dificilmente o Facebook encara a compra do WhatsApp como dinheiro desperdiçado, mesmo com tanta demora na monetização.
A reputação do mensageiro segue inabalável, o crescimento não mostra sinais de desaceleração e a chegada de um serviço de pagamentos pode até mesmo trazer um público que ainda não era fiel ao aplicativo. O ditado otimista vale aqui de forma literal: a partir de agora, o que vier é lucro.