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Vivendo o bastante para cair no ostracismo. O que aconteceu com Aol e Yahoo?

Segundo o CEO da Verizon Media e que seguirá no comando do Yahoo a "próxima evolução do Yahoo será a mais empolgante”. Eu não seguraria meu fôlego esperando por isso

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No filme O Cavaleiro das Trevas de 2008, um raro bom filme de super-herói, o personagem Harvey Dent (Duas Caras) profere uma frase memorável quando debate o papel de Batman com o próprio, só que à paisana: “Ou você morre como um herói, ou vive o bastante para se tornar o vilão.” É difícil atribuir tais qualidades a empresas, mas lembrei dela quando soube, na última segunda-feira, que a Verizon vendeu a Aol e o Yahoo para um fundo de capital privado. É que no mundo dos negócios, as empresas que não “morrem” no auge correm outro risco: o de cair no ostracismo.

A nova dona de Aol e Yahoo é a Apollo Global Management, de Las Vegas, conhecida por comprar partes doentes de grandes conglomerados e torná-las saudáveis outra vez. A nova entidade será chamada apenas Yahoo (sem exclamação) e a Verizon manterá uma pequena participação de 10%. O valor do negócio foi de US$ 5 bilhões.

Tal cifra vultuosa parece menos impressionante quando posta lado a lado do que as duas marcas, ambas pioneiras da internet, já ostentaram em seus dias de glória.

Na virada do milênio, pouco antes do estouro da bolha ponto com, o valor de mercado somado delas era de quase meio trilhão de dólares, já ajustado pela inflação. Os anos 2000 foram pouco generosos, e não só pela bolha. Novas empresas mais ágeis, como Google e Facebook, atropelaram (ou “disruptaram”, para usar o jargão do meio) as antigas titãs digitais.

Em um comunicado interno obtido pelo New York Times, Guru Gowrappan, CEO da Verizon Media e que seguirá no comando do Yahoo na nova casa, afirma que “esta próxima evolução do Yahoo será a mais empolgante de todas”. Eu não seguraria meu fôlego esperando por isso.

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Ascensão e queda de Yahoo e Aol

Quando surgiu, o Yahoo! (com exclamação) era uma espécie de ancestral do Google. Na recém-nascida web comercial, havia poucos sites, tanto que catalogá-los manualmente em um diretório era algo viável. Foi isso o que os amigos Jerry Yang e David Filo fizeram em 1994 no Jerry and David’s guide to the World Wide Web, nome original da empresa aposentado um ano mais tarde. Não demorou muito para que o Yahoo adotasse índices gerados automaticamente e, talvez mais importante que isso em retrospecto, a expandir seus tentáculos de todas as maneiras possíveis, com verticais e serviços digitais dos mais diversos, reforçando a ideia de ser a porta de entrada da web para usuários que descobriam a rede mundial de computadores.

A Aol, criada em 1985 sob o nome de PlayNET, tinha um objetivo similar, mas originalmente atuava em uma camada mais profunda da jornada do cliente: ela era sinônimo de conexão discada. Com a popularização da internet comercial nos anos 1990, a Aol cresceu e virou um negócio tão lucrativo e poderoso que, em 2001, protagonizou a maior fusão da história norte-americana ao incorporar a Time Warner e criar um conglomerado multimidiático de US$ 360 bilhões.

Nessa época, era impensável que Aol e Yahoo pudessem ser dizimadas. Mas aconteceu. Na Aol, a fusão com a Time Warner foi desastrosa e a empresa não conseguiu se adaptar à migração das conexões discadas para a banda larga. No Yahoo, uma série de decisões ruins, como deixar passar a oportunidade de comprar o Google pela mixaria de US$ 1 bilhão em 2002 e as muitas aquisições da web 2.0 que acabaram esvaziadas sob seus domínios (Flickr, Delicious, Tumblr), cobraram um preço alto mais tarde.

Nos últimos anos, as duas marcas acabaram sob o guarda-chuva da Verizon como as fundações de um plano ambicioso da operadora de fazer frente à Alphabet e ao Facebook na publicidade digital. O plano era ganhar escala (leia-se audiência na casa do bilhão de pares de olhos) para ter poder de barganha junto aos anunciantes. Tanto Aol quanto Yahoo pós-declínio viram suas tábuas de salvação em conteúdo. A Verizon arrematou a Aol em 2015 e, sob a influência do então CEO da Aol, Tim Armstrong, comprou o Yahoo em 2018. As duas aquisições, juntas, custaram à Verizon cerca de US$ 9 bilhões.

O plano não vingou, pelo menos não dentro das expectativas iniciais. A justificativa da Verizon para se desfazer das duas marcas agora é focar no que ela faz de melhor: acesso móvel à internet. Há pouco mais de dois anos, uma troca de comando mudou os planos da empresa e o foco passou a ser a implantação da rede 5G nos Estados Unidos, uma iniciativa que consome muito capital. Nesse novo cenário, a Verizon Media, o braço de conteúdo e publicidade da operadora que abrigava Aol e Yahoo, tornou-se uma distração.

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As duas marcas ainda têm lenha para queimar

A Aol detém algumas propriedades de mídia relevantes nos Estados Unidos, como os sites de tecnologia TechCrunch e Engadget. Já o Yahoo ainda é um destino por si só e tem algumas verticais fortes, como o Yahoo Finanças e as ligas de fantasy sports, o “Cartola FC” dos norte-americanos. No Brasil, seu site está entre os dez mais acessados do país, segundo o ranking Alexa, e não é difícil topar com endereços de e-mail @yahoo.com.br por aí, o que sinaliza que muita gente não desapegou do serviço.

Apesar de não terem mais o valor de mercado nem o reconhecimento de décadas atrás, Aol e Yahoo continuam sendo marcas fortes e trazendo dinheiro para casa.

No primeiro trimestre de 2021, ainda sob as asas da Verizon, elas faturaram US$ 1,9 bilhão, valor 10% maior que o do mesmo período do ano passado. Com mais recursos e liberdade, recursos que Guru Gowrappan espera receber da Apollo, e uma aguardada retomada pós-pandemia nos investimentos em publicidade, o prognóstico é bom. Não que o novo Yahoo será “empolgante”, como espera o CEO, nem que vá se tornar o próximo integrante da big tech, mas ele tem grandes chances de prosperar comendo as migalhas que Alphabet, Facebook e Amazon deixam cair quando se banqueteiam do enorme bolo da publicidade digital.

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