O Twitter de Jack Dorsey
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Tecnologia

O fim de uma era: o Twitter de Jack Dorsey

Figura peculiar, Dorsey esteve à frente do Twitter durante períodos turbulentos e de mudanças importantes, mas parece ter capitulado à pressão de investidores insatisfeitos com o desempenho financeiro da empresa

Jack Dorsey estava lá quando tudo começou. Um dos quatro co-fundadores do Twitter – reza a lenda que a ideia embrionária do que viria a ser o Twitter saiu da sua cabeça, inclusve. De qualquer modo, coube a ele a honra de publicar o primeiro post da rede social, 15 anos atrás. “just setting up my twttr”, ou “configurando meu twttr”, ainda usando a marca esquisita, sem vogais, dos primórdios do Twitter.

Nesta segunda (29), em outro post no Twitter, Jack anunciou seu afastamento do cargo de CEO, com efeito imediato, e sua saída do conselho administrativo da empresa que criou a partir de maio de 2022, quando seu mandato vence.

A notícia coloca um ponto final em sua segunda passagem como CEO do Twitter, iniciada de modo provisório em julho de 2015. Antes disso, Jack havia sido o primeiro CEO da empresa, entre 2007 e o final de 2008, quando Ev Williams, outro co-fundador, assumiu o cargo. Mais que isso, encerra seu ciclo no Twitter. Ele estava lá desde o começo.

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Jack, que hoje cultiva uma longa barba e há muito se envolve em assuntos mais… etéreos, digamos assim, como meditação e jejum intermitente, é uma figura curiosa. Aos 46 anos, é autodidata em programação e fez carreira e fortuna na tecnologia, mas tem alma de artista, como revela Sarah Frier no livro em que conta os bastidores do Instagram, Sem filtro.

Tornou-se CEO do Twitter pela primeira vez em 2007, logo após sua fundação, e deixou o cargo no ano seguinte. Ainda dentro do Twitter, em 2009 co-fundou outra empresa, a Square, voltada para pagamentos. Hoje, a Square vale o triplo do Twitter. Jack foi um raro executivo à frente de duas empresas de capital aberto ao mesmo tempo.

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Nos últimos anos, ele passou a falar muito em criptomoedas e assuntos relacionados, talvez reflexo ou influência do seu trabalho na Square. Aquele primeiro post no Twitter? Ele transformou em NFT e vendeu por US$ 2,9 milhões.

Em seu e-mail de despedida, Jack disse que tomou a decisão por conta própria. Talvez, mas não sem uma forcinha de investidores institucionais, insatisfeitos com a sua liderança. Dizia-se nos bastidores que Jack gastava menos de 10% do seu tempo tocando o Twitter. Sua fama de indeciso e lento na tomada de decisões tampouco o ajudava.

Em 2019, antes da pandemia, disse que pretendia passar até seis meses do ano seguinte na África após um tour por países do continente. Para ele, “a África definirá o futuro (em especial do bitcoin!)”. Os investidores, preocupados com seus dólares e já insatisfeitos com o CEO, não gostaram muito da ideia. O coronavírus melou o plano.

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Em suas falas públicas, Jack não se opunha muito a fatos incontestáveis que outros CEOs de redes sociais insistem em contestar. Ele sabe que o Twitter é um lugar que pode ser bastante tóxico e não tem respostas prontas (e vazias) a esse desafio. No e-mail derradeiro, ele criticou fundadores que se mantêm no poder, que “colocam o ego à frente das empresas”, um óbvio ataque a Mark Zuckerberg e o Facebook, agora Meta. Nenhuma palavra a respeito da Square, porém, que ele fundou e segue liderando há mais de uma década.

Essa segunda passagem de Jack como CEO e o maior tomador de decisões do Twitter coincidiu com um período turbulento na política dos Estados Unidos, país onde a empresa nasceu e está sediada: a Presidência do republicano Donald Trump, que tinha no Twitter sua plataforma preferida para fazer política – ou o que quer que ele estivesse fazendo no comando da maior potência do mundo. Em outros países, governos protoautoritários também contribuíram para estressar as salvaguardas do Twitter.

O Twitter reinterpretou suas próprias regras para não banir Trump, coisa que só fez quando o mandato dele estava prestes a terminar e no calor de uma tentativa malfadada de golpe de Estado, ou seja, no momento mais fácil e oportuno. Não é absurdo pensar que o ex-presidente norte-americano tenha sido uma draga durante quatro anos. Coincidência ou não, desde a sua saída o Twitter intensificou os experimentos no produto e as tentativas de crescer sua base de usuários e diversificar fontes de receita.

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Não que entre 2016 e 2020 o Twitter tenha permanecido estático. Sob a liderança de Jack, o produto mudou. Além das constantes reformulações visuais, aspectos fundacionais da rede social foram revisados nesse intervalo.

Em 2016, arrobas/perfis em respostas e mídias (fotos, vídeos) deixaram de contar contra o limite de caracteres. Em 2017, o histórico limite de 140 caracteres dobrou, para 280.

Em agosto de 2019, o perfil de Jack foi hackeado usando a função de envio de mensagens por SMS. Esse era o grande apelo do Twitter, ou do “twttr”, quando lançado: postar na internet via mensagens de texto. O recurso foi suspenso e, no ano seguinte, descontinuado.

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Desde o final de 2020, o Twitter apertou o passo para monetizar mais o negócio. Lançou um plano pago, o Twitter Blue, e os Super Follows para satisfazer investidores institucionais, ávidos por mais geração de receita. Lançou o talvez mais bem sucedido clone do Clubhouse, o Twitter Spaces, com uma execução extremamente rápida. E descontinuou os Fleets, sua versão dos onipresentes stories (posts que desaparecem em 24 horas). Não dá para ganhar todas.

Apesar do desempenho mediano das ações do Twitter, que ‘andam de lado’ desde o IPO, da estagnação da base de usuários e da receita, e das hordas que atacam e tornam aquele ambiente por vezes inóspito, a rede mantém usuários importantes. Líderes mundiais, celebridades, especialistas: eles estão lá. Pode-se argumentar que alguns (ou muitos) continuem apesar do próprio Twitter, que costuma marcar gols contra, mas fato é que continuam. Talvez falte alternativa, talvez o Twitter tenha algo de diferente, talvez o toque artístico de Jack. Para Wall Street, porém, isso não é o bastante.

Jack Dorsey agora segue à frente da Square. Em seu lugar na cadeira de CEO do Twitter entra Parag Agrawal, CTO, com dez anos de casa, próximo de Jack, fascinado por criptomoedas e um tuiteiro discreto: em 2021, ele postou apenas 12 tuítes.