Uma enquete feita pelo aplicativo em meados de março revelou que 54% dos usuários estão dispostos a ter um primeiro encontro por videochamada. Imagem: Shutterstock
Tecnologia

Os latino-americanos estão em um relacionamento sério com os apps de namoro

Com as medidas de isolamento social, apps registram aumento nas mensagens e nos 'matches'. Na América Latina, uso das plataformas é mais criativo

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O desejo de se relacionar com outras pessoas é universal, mas parece que em algumas partes do mundo os amantes são mais abertos a experimentações. Os latino- americanos, por exemplo, vivem um romance intenso e único no mundo com os aplicativos de relacionamento. 

Nem a pandemia do SARS-CoV-2 — o novo coronavírus — foi capaz de arrefecer o ânimo dos solteiros em busca de encontros virtuais. No aplicativo holandês The Inner Circle (TIC), as combinações de pessoas em março já aumentaram 99% e o de mensagens enviadas, 116%. Os dados são do mundo inteiro; a empresa não revelou números específicos da América Latina. “Estamos vendo um grande aumento na atividade”, disse o CEO David Vermeulen. 

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“Os latino-americanos são muito ativos no aplicativo. Vemos isso no número de ‘Crushes’ gerados nesses países”, diz Didier Rappaport, CEO do happn, outro aplicativo do gênero. Na terminologia do happn, que promove encontros virtuais entre pessoas que se cruzam em ambientes físicos, um “Crush” ocorre quando duas pessoas dão like entre si e se permitem engatar uma conversa privada. 

O sistema do happn está sendo diretamente afetado com a orientação do auto- isolamento dada pelas autoridades de saúde para conter o avanço do coronavírus. Por isso, a empresa francesa expandiu o raio de encontros dos tradicionais 250 metros para 90 quilômetros. “Sabemos do nosso papel de conectar pessoas socialmente e, por isso, decidimos estender o raio para 90 km com o objetivo de não deixar ninguém se sentir completamente isolado durante o período de confinamento”, explica Rappaport. 

No happn também, a pandemia mexeu com o comportamento dos usuários. A empresa diz que logo após os pedidos dos governos à população para quem se isolem socialmente, o uso do app cai, mas que “passado o momento de choque” há uma retomada e, em seguida, um aumento no número de mensagens trocadas. Uma enquete feita pelo aplicativo em meados de março revelou que 54% dos usuários estão dispostos a ter um primeiro encontro por videochamada, adaptando o natural próximo passo do flerte virtual às recomendações sanitárias em vigor. 

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A exemplo do TIC, o happn também não detalha números específicos da América Latina. É provável que na região o aumento no uso desses apps esteja acompanhando ou até acima da média global. Sinais históricos, anteriores à crise pandêmica, apontam a natureza receptiva da América Latina à mediação por app de encontros íntimos. 

David Vermeulen, CEO do The Inner Circle. Foto: LinkedIn

No TIC, o público latino-americano se destaca por convidar mais amigos a ingressarem na plataforma do que os de outras regiões. “Isso demonstra que os latino-americanos são entusiasmados e muito abertos em relação à busca pelo amor”, explica o CEO David Vermeulen. O app é acusado de elitista por alguns devido ao seu processo de triagem no cadastro. Não basta preencher um formulário para entrar; é preciso ser aprovado pelo app. Vermeulen diz que a triagem existe para “oferecer um ambiente seguro para nossos membros, com pessoas com as quais eles realmente gostariam de se encontrar”. Ele não revela o percentual de candidatos rejeitados e aprovados. 

Tempero latino 

Vermeulen lista outras características da América Latina que divergem do padrão global no uso de apps de relacionamento. Por aqui, somos mais ativos neles e menos cerimoniosos para dar seguimento aos contatos em outras plataformas digitais que precedem o encontro presencial. “Os latino-americanos não usam o app apenas para relacionamento, mas mais como uma plataforma social. Eles criam grupos no WhatsApp, Instagram etc. para se conhecerem e organizarem seus próprios encontros presenciais, algo que a gente não vê em outros lugares”, diz. 

Rappaport, do happn, cita mais uma: “Em termos de dar o primeiro passo, isso é feito principalmente por homens na América Latina, diferentemente dos países do norte da Europa, por exemplo, onde as mulheres tendem a ser mais proativas do que as mulheres em outras partes do mundo”. 

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Na América Latina, o TIC tem presença no Brasil, Chile, Colômbia, Argentina e Panamá. Já o happn está disponível para download em todos os países. Em ambos, o primeiro lugar em uso na região é do Brasil. Além da enorme diferença populacional, o brasileiro, segundo os dois CEOs, são ainda mais receptivos a esses apps que os vizinhos do continente. “Desde que lançamos no Brasil em abril de 2019, temos visto um imenso crescimento no número de usuários”, diz Vermeulen. O Brasil já está entre os três maiores mercados do TIC. 

O Brasil já foi o maior mercado do happn. Hoje, é o segundo, com 12 milhões de usuários, atrás da Índia, que tem 24,5 milhões. Na região, “o Brasil se destaca em particular”, de acordo com Rappaport. A proporção de homens e mulheres brasileiros na plataforma é a mais equilibrada do mundo. “Homens e mulheres estão empenhados em usar o happn para conhecer alguém no país”, diz o executivo. 

Nem todas as distinções são positivas. Sem entrar em detalhes, o CEO do happn explica que “países onde a necessidade de segurança é mais forte do que outros, Brasil e Índia em particular”, exigem que a equipe de produtos pense em recursos específicos. Todas as funcionalidades, porém, são lançadas no mundo inteiro, sem distinção. “Nosso produto é universal — assim como o amor”, justifica. 

Didier Rappaport, CEO do happn. Foto: happn

O TIC mantém a mesma política de uniformidade dos recursos oferecidos. Um deles, o programa de embaixadores, foi criado em resposta a usos criativos dos usuários latinos, em especial dos brasileiros. Um dos diferenciais do TIC são os eventos organizados para que os membros se conheçam. Por aqui, muitos membros estavam criando eventos paralelos, à margem dos oficiais, o que motivou a criação do programa de embaixadores, em que “networkers por natureza”, que conhecem os lugares mais badalados das cidades e têm ideias legais, podem organizar e promover eventos dentro da plataforma do aplicativo. 

O custo do amor 

O Brasil é um dos cinco maiores mercados do happn em receita. Esse foi o único dos negócios que os dois CEOs informaram. Outros, eles não divulgam. O mercado, porém, parece grande: nos relatórios mensais de faturamento de apps da consultoria Sensor Tower, há meses o Tinder, o peso-pesado do setor, aparece na liderança global. Em 2019, segundo o balanço financeiro do Match Group, empresa dona do aplicativo, o Tinder gerou US$ 1,2 bilhão em receita. (O Tinder declinou participar desta reportagem.) 

Como se ganha dinheiro com apps? A maioria trabalha com o modelo “freemium”, ou seja, gratuito para usar, mas com “super poderes” no jogo da sedução colocados atrás de uma mensalidade. 

A do The Inner Circle começam em US$ 20 e dá direito a ver quem viu seu perfil, ler todas as mensagens e um “modo invisível”. No happn, o preço varia dependendo do país; no Brasil, a assinatura começa em R$ 31. Ela dá direito a recursos como remoção de anúncios, curtidas ilimitadas, “modo invisível” e restringir a exibição de dados do perfil, como idade e distância.

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