Sede da edtech Descomplica, no Rio de Janeiro
Sede da edtech Descomplica, no Rio de Janeiro. Foto: Divulgação
Tecnologia

Para CEO da Faculdade Descomplica, isolamento social pode mudar percepção sobre educação digital

"Minha meta pessoal é que em 2021 o Descomplica seja a maior pós graduação digital do Brasil," afirma o executivo

Em tempos de quarentena, repensar atividades que, até então, tinham como primeira premissa sair de casa, já virou rotina. Um exemplo é a educação: a pandemia da COVID-19 e o decorrente isolamento social têm forçado instituições de ensino presencial a buscarem outros formatos. Mas as chamadas edtechs, startups de educação, vêm pensando em como transformar esses modelos há bem mais tempo. Com 4 rodadas de investimento na bagagem, o Descomplica, edtech que começou com conteúdo preparatório para o vestibular e em 2020 entra no mercado de graduação, já levantou US$32 milhões desde 2012. 

E a tendência desse mercado é continuar em expansão. É o que mostra um levantamento da plataforma de inteligência para educação HolonIQ, que revelou que o setor de edtechs começou a década passada com US$ 500 milhões em venture capital e terminou com um valor catorze vezes maior: US$ 7 bilhões, em 2019. Nos próximos 10 anos, a agência de inteligência de mercado estima que mais de US$ 87 bilhões sejam investidos, quase o triplo da década anterior. E quem vem puxando essas cifras é a China, com 50% de todo o investimento global de venture capital ao longo da década. 

Imagem: Adaptado do relatório “Mapping LATAM EdTech Landscape”, por HolonIQ

Na América Latina, ainda que bem menor, o setor é promissor. Sem surpresas, quem encabeça esse cenário com um ecossistema mais maduro, é o Brasil, com um maior número de grandes players operando em diferentes frentes, alguns deles, inclusive, com ações listadas na B3. Segundo relatório da Distrito, hoje o país conta com 434 startups do setor, um número que vem aumentando, mas está muito distante do cenário internacional: só Beijing já conta com 3.000 edtechs, enquanto Nova York possui cerca de 1.000 startups do setor. Ainda em 2020, o mercado global de edtechs deve crescer 17%, atingindo um faturamento de US$ 252 bilhões, segundo dados da KPMG

Mas assim como os cursos online e ensino à distância têm ganhado a pauta dado o cenário atual, um questionamento que não é nada recente no setor, também ganha força no momento: a qualidade desses conteúdos. “[Com a crise do coronavírus] Vai ter um grande advento da quebra de preconceito, mais pessoas vão começar a testar [o ensino digital], o que é ótimo, e isso pode acelerar a expansão e transição pro mercado online. O grande problema que isso pode causar, por outro lado, é que nem todas as iniciativas estão preparadas pro digital, e isso pode gerar uma frustração,” explica Daniel Pedrino, CEO da Faculdade Descomplica, em entrevista ao LABS. “Aula online não é uma aula de 1h30 gravada e publicada na internet. A aula online é uma aula pensada para o digital, e a gente faz isso desde que surgiu, o que muda completamente”.

“Nós trouxemos para a graduação o conceito de microlearning,” conta Pedrino. “No curso de RH por exemplo, o aluno acessa e vai ter o tema de recrutamento e seleção, teoria organizacional, etc. Se ele quer aprender mais sobre recrutamento e seleção, o aprendizado passa a ser contextual. Conforme ele vai avançando naquele tema, ele recebe um certificado intermediário. Ele vai se tornando algo durante o curso, e não apenas no final quando recebe um diploma. Entendemos que esse era um pedido do mercado de trabalho.” Foto: Divulgação.

O Descomplica não só parece ter entendido essa lógica, como soube fazer dessa estratégia seu trunfo para o crescimento. Fundada pelo professor de física e hoje CEO Marco Fisbhen, a startup nasceu em 2011 a partir de um desejo de Fisbhen de expandir o impacto de suas aulas. “Ele começou a gravar as aulas em casa. Na época, lia o jornal e comentava as notícias com cunho pedagógico,” conta Pedrino. 

A resposta foi positiva: com muito tráfego para os conteúdos que criava, o educador detectou a oportunidade e foi em busca de capital: em 2012, o Descomplica levantou seu primeiro aporte, de US$ 1,5 milhão, do fundo americano Valor Capital Group – recurso que permitiu à edtech adotar o modelo de assinatura. O foco era oferecer conteúdo preparatório para o ENEM por um preço acessível. “Como ele dava aula e conhecia todos os professores, foi fácil chamar os melhores para integrar o projeto. O modelo em que o Descomplica opera, desde esse pitch até hoje, se transformou pouquíssimo,” explica o executivo. Segundo Pedrino, a edtech é hoje o big player desse setor: 80% dos estudantes que se preparam para o ENEM de forma online, e 35% dos que se preparam de forma híbrida (presencialmente e online) estudam com o Descomplica. 

Não é por perfil de aluno, mas sim porque a gente soube ensinar digitalmente.

Daniel Pedrino, CEO da Faculdade Descomplica

Com 300 mil alunos pagos e uma base de 5 milhões de inscritos que baixam conteúdo de graça na vertical de preparatório para o ENEM; por volta de 2017, o Descomplica já tinha consolidado sua unidade de negócio lucrativa, apoiado por recursos de mais dois aportes de US$ 4 e 6,4 milhões, em 2013 e 2015. 

“Em novembro [período do exame nacional do ensino médio], damos aula para 1,5 milhão de pessoas simultaneamente. Naquele momento, entendemos que, de 2011 a 2017 tínhamos aprendido a fazer o digital, que tínhamos uma marca forte – é um hub de educação em qualquer rede social, mas a gente precisava levar isso pra ser efetivo pra vida e transformação social das famílias: esse foi o DNA do Marco, quando ele pegou um avião e foi buscar o primeiro investimento,” relembra Pedrino. 

O bônus salarial da educação

Enquanto a média entre os países da OCDE é de um salário 40% maior para quem tem diploma de graduação; no Brasil, quem tem ensino superior ganha, em média, 140% a mais do que aqueles que cursaram apenas o ensino médio, segundo o relatório Education at a Glance, da OCDE, reportado pela Distrito. Em paralelo, dados da KPMG mostram que entre 2010 a 2017 as matrículas de EAD no ensino superior cresceram quase 90% – enquanto o ensino presencial subiu 20%. Mais do que isso: nos últimos 3 anos, o EAD ganhou 363 mil alunos. Já o ensino presencial, perdeu 104 mil. Foi esse cenário que atraiu o Descomplica para o mercado de graduação.

20 milhões na última rodada era o aporte que a gente precisava para ir pro ensino superior e investir em toda a tecnologia que não era derivada diretamente do ENEM. Com esse aporte investimos em time de tecnologia, desenvolvemos um LMS (Learning Management System) proprietário e apostamos na construção de time acadêmico e conteúdo para o ensino superior. 

Se até ali, as três rodadas de investimento da edtech foram para impulsionar o crescimento da categoria que se tornou seu core business; a partir de 2017, o Descomplica começou a explorar novos oceanos. Com duas aquisições na bagagem – a plataforma de preparatório para concursos Masterjuris e a startup de software para testes Paper X – a edtech passou também a mirar na vertical de concursos públicos, a implementar os micro-testes em todos os seus produtos e a oferecer conteúdo de apoio para o ensino médio. 

Com mais unidades de negócio e apoiados por uma estratégia que pavimentou o crescimento da startup – o controle de toda a cadeia produtiva desde a engenharia de software até a produção de vídeos – a mais recente aposta do Descomplica, no entanto, é mais desafiadora.

Diferente da educação corporativa e dos cursos livres, a educação básica e ensino superior são mercados regulados, com exigências próprias dos órgãos responsáveis. “Na realidade, por questões regulamentares, o aluno deve ir no mínimo uma vez por semestre para fazer a prova no polo. Em nosso modelo, a prova é online (…) quando o MEC tirar essa restrição, nós temos um produto pronto e totalmente online. A única adaptação necessária foi realmente ter os polos presenciais (que estão sendo construídos em coworkings, para que os alunos aproveitem dessa experiência de troca),” explica Pedrino.  

2021: expansão é a palavra de ordem

Apoiada pelo último aporte de US$ 20 milhões liderado pela Invus Opportunities em 2017, as previsões da edtech para a nova empreitada são tão grandes quanto os desafios. “Temos 1200 vagas [na graduação] e quase 50 mil pessoas que demonstraram interesse. Nossa relação candidato/vaga é inédita pra gente,” revela Pedrino. 

Com quatro cursos de graduação lançados num primeiro momento, por exigência do MEC – Bacharelado em Ciências Contábeis; Bacharelado em Administração; Licenciatura em Pedagogia e Tecnólogo em RH – o Descomplica pretende contratar professores e desenvolvedores, construir polos presenciais, e lançar 20 novos cursos em 2021, voltados para Engenharias, Tecnologia e Gestão. Por trás dos planos, estão R$ 55 milhões que a edtech irá destinar em até três anos para esses investimentos – recurso financiado pela categoria ENEM, que já gera lucro para a startup.  

Na pós-graduação, produto que começou a ser testado em 2019 e hoje conta com mais de 100 cursos e 700% de crescimento ao ano, o objetivo para 2021 é chegar em 200 ofertas. “E falando de ENEM: vamos expandir ainda mais com outros produtos que fornecem acesso a mais pessoas. Nao é advento do coronavírus, mas estamos investindo mais em uma solução para escolas.” 

Futuro

Pedrino conta que a edtech está criando um produto para que as instituições acoplem em seus modelos de ensino, usando de forma complementar ao presencial. “Uma coisa que acho que vai acontecer pós lockdown é que as escolas vão entender que nao dá para buscar uma solução digital só no momento que acontece isso, elas terão que conviver com o digital para sempre.”  

Sobre expansão para outros países da América Latina, ele garante que, por ora, o foco é Brasil. Mas adianta: “Existem países que tem modelos como no Brasil, em que há uma prova teste que dá acesso à universidade. Então sim, isso está nos planos, já temos um time certo e um plano de negócios mapeado, mas talvez não seja em 2021.”

Keywords