Desde 2013, a Pesquisa Games Brasil (PGB) traça o perfil do gamer brasileiro. Além de dar sequência a esse trabalho, a edição de 2021, publicada esta semana, joga luz sobre os efeitos da pandemia da COVID-19 em um setor que, pelas suas características, tinha tudo para ganhar projeção em um momento em que a humanidade se recolheu em casa.
Por uma coincidência de datas, a PGB obteve um retrato preciso do impacto da pandemia. “No ano passado, a gente realizou [a pesquisa] em fevereiro, então tínhamos o comportamento de antes da pandemia”, explica Carlos Eduardo da Silva, head of gaming da Go Gamers/Sioux Group, responsável pela organização da PGB, que também tem como parceiras a Blend New Research e a faculdade ESPM. “Agora, a gente fez a pesquisa nesse mesmo período, em fevereiro de 2021, então conseguimos ter uma fotografia exata do quanto esse consumo [de games] aumentou.”
O maior destaque, pois, foi o aumento da jogatina. “O público, de maneira geral, é o mesmo do ano passado, mas agora as pessoas estão passando mais tempo em casa, trabalhando em home office, com mais tempo disponível. Consequentemente, tivemos um aumento no tempo de jogo”, explica Carlos.
Das 12.498 pessoas entrevistadas em 26 estados e no Distrito Federal, 72% se declararam gamers — gente que costuma jogar jogos eletrônicos, independentemente da plataforma.
Dois terços (75,8%) dos jogadores entrevistados disseram terem aumentado o tempo gasto com jogos durante o período de isolamento. Quase metade (42,2%) afirmou estar gastando mais dinheiro com jogos digitais no mesmo período. Esse aumento do interesse extrapolou os jogos em si: 60,9% disseram que estão assistindo a mais conteúdo de jogos no isolamento.
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Os números embasam a avaliação de Carlos. Tendências que desafiam o senso comum e que já tinham sido detectadas em edições anteriores, como a forte presença feminina (a maioria, ou 51,5% dos gamers, são mulheres) e o papel democratizador do celular (a plataforma líder em preferência, com 41,6%), se mantiveram, ainda que esses mesmos números tenham apresentado, desta vez, pequenas retrações. Na edição 2020, por exemplo, as mulheres eram 53,8% do total e o celular, a plataforma preferida de 52% dos jogadores.
Ao cruzar dados de diferentes painéis, a PGB 2021 revela pontos de vista ainda pouco falados do mercado gamer brasileiro. “O smartphone foi o principal ponto de contato para o público feminino”, exemplifica Carlos. “Não é que não existam mulheres no console e no PC; tem também. Mas os smartphones são uma plataforma mais acessível, mais prática, é o mesmo celular que você usa para fazer várias outras coisas, então criou-se essa proximidade. Quando a gente faz a quebra de plataformas, você vê que a maioria das mulheres está concentrada no celular.”
62,2% das mulheres gamers
jogam no celular. Nos consoles e computadores, a relação se inverte e homens ainda são maioria — 61,9% e 59,6%, respectivamente.
O futuro dos games é mobile (e pertence às classes C e D)
Outro grupo fortalecido pelo celular é o das classes menos abastadas, como a C e D. Com o celular, a barreira de entrada é menor, ou seja, eles são mais baratos que PCs gamers e consoles (os da nova geração custam cerca de R$ 5 mil).

O smartphone te dá acesso. Esse é o grande ponto. E as pessoas querem jogar
Carlos Eduardo da Silva, head of gaming da Go Gamers/Sioux Group.
E querem mesmo: a pesquisa detectou que 77,3% dos jogadores pertencem às classes B2, C e D. Essas classes, que antes não tinham acesso via PCs e consoles, conseguem agora graças ao celular. “Isso é muito significativo”, afirma Carlos.
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O avanço técnico dos celulares, combinado com a enorme base de usuários em potencial, é apontado por Carlos como os fatores responsáveis pela maior atenção que as produtoras de jogos têm dado à plataforma, com investimentos em novos títulos, torneios e promoção deles. Até mesmo os jogos competitivos, os chamados eSports, que demandam uma precisão e nível de qualidade impossíveis em celulares até pouco tempo atrás, se renderam às telinhas sensíveis a toques.
“Hoje você tem jogos e produtos que te entregam uma boa experiência online. Fortnite, Free Fire, Among Us, todos esses jogos, que fizeram muito sucesso nos últimos anos, estão no celular também”, lembra Carlos. Free Fire, que é exclusivo para celulares, é apontado como um exemplo a ser seguido: “Criou-se um ecossistema em torno dele, de criadores de conteúdo, cenário competitivo, eSports. A experiência [no celular] é boa, e é suficiente para a grande maioria do público”.
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A evolução dos celulares como plataformas de jogos tem gerado um efeito curioso: os chamados gamers “hardcore”, aqueles que investem mais e se acostumaram a jogar em consoles e PCs caros, estão abrindo espaço em suas rotinas para jogar no celular também. “Você tem um público casual [no celular], que já é maioria, e o público hardcore, que é multiplataforma. Esse último continua jogando no console, no PC, mas vai abraçar o celular como outra plataforma. Olhando o cenário, você vê que o celular vai continuar crescendo em receita e consumo”, diz Carlos.
Diversidade entre jogadores, e a falta de representatividade nas telas
Neste ano, a PGB registrou a etnia dos jogadores. Descobriu que pretos e pardos são a maioria dos jogadores (50,3%), o que, segundo o estudo, “torna evidente particularidades da composição étnica brasileira”. Apesar disso, ainda falta representatividade — são poucos os personagens pretos em jogos eletrônicos. Se por um lado esse público se faz presente, do outro falta diversidade nas produtoras dos jogos.
Do lado do consumo, a Pesquisa Game Brasil 2021 revela um cenário diverso, o que pode ser chocante para quem ainda enxerga esse mercado como um majoritariamente masculino e elitizado. “O mundo dos games é diverso, é para todo mundo mesmo”, reforça Carlos. “Quando a gente pensa em plataforma, em público, aqui no Brasil, principalmente, a gente acredita que todo mundo tem direito ao entretenimento.”
Sobre os efeitos da pandemia, se serão duradouros ou não, ainda é uma incógnita. Carlos acredita que os ganhos que o setor teve devido às circunstâncias e às dificuldades de adaptação de outras formas de entretenimento (“o cinema parou, telenovelas e séries pararam, os esportes tradicionais pararam”) serão mantidos no pós-pandemia, mas deverão ocorrer o que ele chama de “adequações”, ou seja, como a retomada de outras atividades, como o trabalho presencial nos escritórios, impactará os hábitos dos jogadores de video games.
“Costumo brincar que quem é gamer nunca deixa de ser gamer. Você pode até deixar de jogar devido às responsabilidades, falta de tempo, mas se você teve uma experiência bacana, descobriu algo novo, como jogar online, [fazer] o happy hour dentro de um jogo, com certeza vai continuar. É algo que se manterá no futuro”, diz.
A versão completa da Pesquisa Game Brasil 2021 pode ser comprada aqui.