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Tecnologia

Ouviu isso? Podcasts são o som do futuro

As condições que fizeram com que os podcasts se tornassem parte dos hábitos urbanos modernos ainda serão válidas nos próximos anos, o streaming on demand veio para ficar

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Nos últimos anos, os podcasts têm ganhado cada vez mais espaço na vida das pessoas, com estatísticas que indicam um crescimento constante do público ouvinte. Essa ascensão mostrou que o áudio nunca saiu de moda: o que aconteceu foi uma diminuição do peso cultural do rádio na vida das pessoas nas grandes cidades. O áudio puro, que tinha o rádio como principal emissor, foi de fato afetado, e esse peso cultural foi exatamente o que os podcasts ajudaram a recuperar. O segmento evoluiu muito desde a sua criação e deve continuar se adaptando à constante evolução do mundo digital. Mas quais serão as mudanças que ditarão a evolução dos podcasts?

Houve uma época em que o rádio era onipresente na vida das pessoas. Mas o surgimento da TV mudou os hábitos das famílias e eles se tornaram algo restrito aos carros. O reinado da TV, por sua vez, foi longo. Na última década, porém, os smartphones começaram a roubar a atenção que costumava ser das telas de TV.

Podcasts não são rádio

Muitas pessoas gostam de comparar podcasts com o rádio. Mas não é tão simples. Enquanto o conteúdo do rádio dura pouco e acontece ao vivo, o podcast é o que se chama de mídia fria: pré-gravado, projetado para ser consumido hoje ou anos a partir de agora.

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Os podcasts foram criados em 2004, por um ex-VJ da MTV e um programador que queria distribuir áudio digital sob demanda. As pessoas assinavam os programas e copiavam os episódios para seus iPods, os icônicos tocadores de MP3 que ajudaram a ressuscitar a Apple. Os podcasts permaneceram no nicho nerd por mais 8 anos, até que a Apple deu um passo importante: começou a distribuir o aplicativo Podcasts embutido no iOS 5, preenchendo a lacuna entre os usuários e o conteúdo de áudio sob demanda. Não é que não existiam aplicativos dedicados a podcasts em smartphones antes, mas eles precisavam ser procurados ​​e baixados nos dispositivos. Embarcar em um aplicativo para podcasts mudou tudo. Logo depois o Android também seguiu a tendência.

Os podcasts ganharam espaço não porque possuem tecnologia de ponta ou porque são novos, mas porque preenchem uma lacuna na vida das pessoas. O cidadão urbano moderno, um usuário de smartphone por natureza, gasta cerca de duas a três horas por dia indo e voltando do trabalho.

Lavar pratos por meia hora, passear com o cachorro por 15 minutos, ir à academia duas vezes por semana. Nestes momentos, o entretenimento de áudio sob demanda é o único que atende perfeitamente às necessidades de seus ouvintes.

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Vozes do Brasil

Os brasileiros abraçaram os podcasts desde o início. O podcast ativo mais antigo do país, o Nerdcast, foi lançado em 2006 e continua forte. Tem mais de um milhão de ouvintes por episódio e é o título semanal mais popular do mercado local.

O jornal Folha de São Paulo publicou um podcast sobre os presidentes brasileiros em 2018, ano eleitoral. Mas só um ano depois é que a grande mídia entrou na briga para valer. O Grupo Globo publicou uma série de programas noticiosos com seus maiores talentos. Resultado: o Café da Manhã da Folha é o título mais popular no Spotify, e o da Globo O Assunto vem sempre atrás, entre os cinco primeiros da plataforma. Em 2019, uma pesquisa do Ibope registrou que 40% da população já sabia o que era um podcast.

Em 2020 a produção de novos programas cresceu 103% no Brasil, segundo o estudo State of the Podcast Universe, da Voxnest. Nós adoramos ouvi-los e os estamos ouvindo cada vez mais.

Existem muitos criadores de podcast ganhando dinheiro e explorando novos formatos. O veterano Nerdcast está no mercado desde 2007. Outros indies, como Braincast, Mamilos, Somente Elas e Um Milkshake Chamado Wanda começaram a ganhar dinheiro depois, à medida que a produção se profissionalizou. Agora existem grandes players, capazes de fazer novos shows acontecerem. Os podcasts pretos e LGBTQ + também estão se tornando mais populares. Programas como História Preta, o blockbuster AmarElo Prisma, do cantor Emicida, e Santíssima Trindade das Perucas.

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O Brasil já tem até um podcast sobre um crime verdadeiro que virou sucesso: o Projeto Humanos. Em sua terceira temporada, o programa contou a história do assassinato de uma criança em uma pequena cidade do sul do Brasil. A história gerou um livro e vai virar uma série de documentários na Globoplay, o serviço local de streaming construído pelo Grupo Globo para enfrentar a Netflix e a Amazon Prime.

As marcas também estão fazendo podcasts. Elas estão investindo em novas ideias e usando os programas como veículos para atender seus clientes. Nossa empresa, Ampère, fez mais de dez títulos diferentes para a filial brasileira da HBO, falando sobre seus programas, e ajudou a 99 a criar o Papo de Motora, para construir um diálogo direto com sua enorme base de motoristas. O Bradesco, maior banco do Brasil, é o principal patrocinador do Mamilos e viabilizou a versão brasileira de Good Night Stories for Rebel Girls.

O crescimento dos podcasts acabou resultando na retomada de formatos que, em algumas partes do mundo, haviam ficado esquecidos por décadas, quando o rádio os abandonou: audio-dramas, game-shows, longas-metragens ou documentários serializados, e a lista só aumenta.

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É por isso que, olhando para o futuro, você precisa pensar em como o mundo mudará para imaginar como o podcast continuará integrado à vida das pessoas.

Depois da COVID-19

De acordo com a Podrac, uma empresa que rastreia as classificações de mais de 500 dos maiores podcasts dos Estados Unidos, a quarentena foi a única coisa capaz de desacelerar um pouco o crescimento da audiência.

Durante os meses mais agudos de isolamento social (entre março e maio), o fato de as pessoas ficarem confinadas em casa, sem ir ao trabalho ou à academia, afetou a taxa de crescimento. Os podcasts mais populares tiveram pouco ou nenhum impacto no número de ouvintes. O crescimento do segmento, que teve picos de 20% ao mês no ano anterior, caiu para quase zero. O horário nobre habitual, período de deslocamento entre a casa e o trabalho, caiu 26%.

Mas em poucas semanas, o público foi redistribuído ao longo do dia e até no fim de semana. As pessoas começaram a ouvir mais podcasts em casa e, como tinham gente por perto o tempo todo, começaram a ouvir os programas juntas. Até então, os podcasts, em sua maioria, vinhan sendo projetados para pessoas que os ouviriam com fones de ouvido em seus smartphones. Mas no mundo pós-COVID, com as pessoas passando mais tempo em casa, podemos ver o surgimento de um novo tipo de podcast, feito para ser ouvido em grupo. 

De todo modo, o impacto da pandemia nos negócios também afetou os contratos de patrocínio para vários programas e fez com que muitas pessoas parassem de apoiar seus podcasters favoritos. Diante de uma recessão global, também será um desafio para o segmento manter níveis saudáveis ​​de crescimento da monetização.

Economia: distribuição mais fácil e influenciadores e modelos de negócios mais maduros

A chegada de gigantes como o Spotify, que alcançou 299 milhões de usuários em todo o mundo e 138 milhões de assinantes premium no segundo trimestre de 2020, foi crucial para a popularização dos podcasts. Dados os investimentos feitos pela empresa em aquisições e contratos exclusivos com criadores relevantes, espera-se um impulso ainda maior nos próximos anos.

Outra diferença que o Spotify oferece aos podcasters é um pacote de métricas detalhado. Até agora, os criadores trabalhavam com poucas informações, como número de downloads, reproduções, assinantes. Isso porque a estrutura descentralizada do segmento fazia com que as pessoas ouvissem programas em diversos aplicativos que não revelavam estatísticas. Como os podcasts do Spotify são reproduzidos dentro da plataforma, a empresa é capaz de mostrar com precisão o comportamento dos usuários a cada segundo. Esses dados ajudaram vários podcasts a dar um salto de qualidade.

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A entrada do Spotify no mercado também está criando um ambiente favorável para a chegada de empresas capazes de criar e desenvolver propriedade intelectual valiosa. Empresas da indústria criativa, como estúdios de cinema, canais de TV e grandes editoras de livros, veem o podcast como um ambiente interessante para testar ideias que podem ser exploradas na forma de jogos, filmes, séries de TV, etc.

Apesar da influência do Spotify, é importante lembrar que os podcasts não dependem de um único canal de distribuição. Essa condição é um problema para os programas serem descobertos, mas também torna os criadores menos dependentes de uma única plataforma de distribuição, como aconteceu com o Youtube no mercado de vídeo. O Spotify (sim, ele de novo) pode mudar isso e se tornar ainda mais influente ao criar um programa de monetização eficiente que pode atrair criadores independentes.

Os podcasts também são uma espécie de “história de sucesso da noite para o dia construída ao longo de 16 anos”. Ou seja, se tornaram um canal de mídia conhecido quando já estavam maduros. Seus maiores influenciadores são pessoas que já definiram modelos de negócios que funcionam para eles. Os podcasters profissionais ganham dinheiro com publicidade, assinantes ou apoiadores e, seguindo o roteiro delineado por profissionais de marketing, estão escrevendo livros, dando palestras, ministrando cursos e licenciando produtos.

Agora, você sabe com o que os podcasters pouco se importam? Anúncios automatizados. Grande parte dos ganhos com a publicidade de podcast acontece quando o apresentador faz os anúncios de forma artesanal e personalizada. A propaganda automatizada, se feita indiscriminadamente, destrói esse valor, pois funciona em escalas muito grandes. Esses tipos de anúncios só interessam aos podcasters se aplicados ao inventário mais antigo. Mas, para isso, eles precisam ter um catálogo realmente grande de episódios antigos e um grande nível de interesse por essas bibliotecas por parte dos usuários/ouvintes.

Para o infinito e além: produção mais barata, interfaces de voz e carros autônomos

Em 2020, a Nvidia lançou um sistema inteligente capazes de processar áudio capturado em tempo real e silenciar qualquer ruído de fundo (mesmo de uma britadeira) para capturar apenas a voz de um locutor. Aliás, o resultado é impressionante e muito convincente. Em alguns anos, podemos esperar que o desenvolvimento dessa tecnologia tornará desnecessários os gastos com estúdios e equipamentos caros. Gravar um podcast com qualidade quase profissional será mais fácil do que nunca.

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Outra coisa que está ficando mais barata e mais difundida são os assistentes pessoais de áudio. Cada vez mais, as pessoas terão Siri, Alexa ou apenas o Google ajudando-as nas tarefas mais comuns. Os assistentes pessoais de voz já estão em um nível tecnológico muito avançado. E eles vão ficar cada vez melhores.

No caso dos podcasts, o principal efeito de sua chegada às casas de milhões de consumidores é a ideia de que haverá alto-falantes em praticamente qualquer cômodo da casa. Embora os assistentes de voz permitam aos usuários fazer coisas como ligar a luz ou desligar a TV, o principal efeito desses sistemas é mudar a relação entre humanos e áudio. Experimente navegar em interfaces como essas. É muito diferente pensar no resultado de uma pesquisa, no uso de menus ou em como uma interrupção vai acontecer. O áudio é menos interrompido e os níveis de atenção ao que está sendo dito são maiores.

Olhando mais à frente, podemos imaginar os efeitos de eventos como a chegada de carros autônomos ao mercado. É esperado que os carros inteligentes tenham vários efeitos econômicos e sociais enormes. Milhões de empregos não farão mais sentido ou se tornarão produtos de nicho. Neste mundo, os carros tendem a se tornar veículos impessoais, compartilhados por várias pessoas. Mas qual será o efeito real nos podcasts? Quem não dirige tem mais opções de consumo de conteúdo. Em vez de apenas ouvir algo, você pode ler, assistir a vídeos, trabalhar, e interagir em níveis cognitivos mais complexos.

A gangorra tecnológica e cultural

Nas últimas décadas, vimos uma gangorra na mídia. Quando surgem novos canais, os anteriores não necessariamente desaparecem, mas ganham ou perdem influência cultural na vida das pessoas. Basta lembrar o que falamos sobre rádio e TV. O podcast encontrou seu espaço adequado às necessidades de milhões de ouvintes. Os próximos anos trarão vários desafios que irão testar todo o mercado cultural e os podcasts e seus criadores que conquistaram seu espaço, criaram um novo mercado, e continuarão tentando conquistar novas fatias do bolo. Faz parte das dores e prazeres de fazer parte do time principal em jogo.

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