A startup brasileira do setor de saúde diagnóstica Hilab viu a demanda por exames disparar durante a pandemia da COVID-19, acelerando seu crescimento e levando a empresa a pensar na internacionalização dos serviços. Em 2020, a startup fez mais de 2 milhões de exames individuais e viu o número de pacientes crescer mais de 50 vezes (de um ano para outro) até outubro.
A health tech, que atendia pelo nome de Hi Technologies até novembro, desenvolveu um pequeno dispositivo, chamado Hilab, que age como um laboratório de diagnóstico portátil, realizando exames com apenas algumas gotas de sangue. “Sentimos que era o momento de a empresa também se chamar Hilab, até porque estamos criando novos equipamentos. Tínhamos o Hilab clássico, e agora temos o Hilab molecular. Achamos que fazia mais sentido o nome do produto ser o nome da empresa”, disse Marcus Figueiredo, CEO e co-fundador da Hilab, em entrevista ao LABS.

Fundada em 2016, a Hilab recentemente concluiu uma rodada Série C de investimento de cerca de US$10 milhões, que a avaliou em quase R$ 300 milhões. A companhia recebeu aportes da Península Participações, family office do empresário brasileiro Abilio Diniz, e da norte-americana Endeavor Catalyst.
A gestora de venture capital Monashees (que tem no portfólio outra startup curitibana que recebeu aporte recentemente, a The Coffee), um fundo da Positivo Tecnologia e o braço de investimentos da Qualcomm, que já possuíam participações na companhia, também participaram da última rodada.
A startup se prepara para levantar uma nova rodada, Série C, em breve. “Normalmente, fazíamos rodadas a cada dois anos. Mas quando a COVID-19 abriu novas fontes pagadoras para nós, a gente acelerou muito rápido e ocupamos um espaço muito rápido”, contou o CEO, acrescentando que a fase e o tamanho atual da health tech a obriga a pensar em internacionalização e consolidação via M&A.
“A gente já era uma das health techs mais antigas do Brasil, e pulamos várias fases agora. Pensando nisso e pensando que vários fundos estão conversando com a gente, estamos no começo de uma próxima rodada”, disse.
O possível novo aporte tem a ver com o crescimento, já que a empresa não tem necessidade de caixa a curto prazo e já alcançou o breakeven. “É mais a questão de achar o investidor e o sócio correto para fazer coisas mais ousadas”, complementou.
A startup de Curitiba prevê alcançar uma receita de cerca de R$ 200 milhões em 2020, e de R$ 500 milhões no próximo ano. “Para o ano que vem é especulação, mas os números mostram que a gente vai atingir”, disse. O faturamento do ano passado a empresa não revela, mas disse que este ano foi a primeira vez que a startup ultrapassou os R$100 milhões em faturamento.
Estamos em um processo de escolher se a gente continua com uma estratégia de América Latina ou se a gente tenta um mercado mais desenvolvido, onde a competição de tecnologia já está em um estágio mais avançado.
Marcus Figueiredo, CEO e co-fundador da Hilab
Ousadia para cruzar fronteiras
A Hilab ensaia uma expansão internacional por meio de testes pilotos na Espanha e nos Estados Unidos, mas, de acordo com Figueiredo, ainda terá que enfrentar o desafio regulatório para realizar exames no exterior com um laboratório localizado no Brasil.
“Antes da pandemia, a gente já estava pensando na expansão para a América Latina, era um assunto que estava na mesa. Agora a gente começa a pensar em coisas talvez até mais ousadas, estamos em um processo de escolher se a gente continua com uma estratégia de América Latina ou se a gente tenta um mercado mais desenvolvido, onde a competição de tecnologia já está em um estágio mais avançado”, disse.
O rápido crescimento da Hilab tem a ver com a agilidade da startup em oferecer um dos primeiros testes de COVID-19 acessíveis para os brasileiros, lançado no dia 13 de março. A metodologia do primeiro exame de COVID-19 da Hilab foi a mesma utilizada em outros testes de identificação de doenças infecciosas já produzidos pela empresa, como dengue. Trata-se de um teste sorológico de imunocromatografia. “O processo é o mesmo, mas você tem ali a avaliação de um dos reagentes. Considerando isso, a gente sempre está muito perto de fazer qualquer exame novo”, disse Figueiredo.
Quando cientistas chineses isolaram o antígeno do coronavírus em fevereiro, bastaram quatro semanas para a Hilab replicar em um teste rápido: a empresa já tinha o software, o equipamento, o leitor e já dominava a parte química do processo.
Após a coleta das gotas de sangue, uma amostra do sangue dos pacientes é misturada com reagentes fornecidos pela própria companhia e então inserida no aparelho. Este então lê os dados da amostra e os encaminha através da internet para serem analisados por algoritmos de inteligência artificial em nuvem.
Uma equipe de biomédicos localizada no único laboratório físico da empresa em Curitiba (PR) valida os resultados e envia o laudo para o paciente via email, mensagem ou pelo próprio aplicativo da Hilab. O processo completo dura cerca de 15 minutos.
A empresa já comercializa 20 exames realizados em seu dispositivo. Além da detecção do anticorpo contra COVID-19, também há HIV, dengue, zika e hepatite.
Os baixos custos logísticos causados pela ausência do transporte das amostras, segundo Figueiredo, são uma grande vantagem para a companhia, que pode oferecer os exames a um preço competitivo.
“A agilidade no diagnóstico, bem como o preço inferior, são importantes, já que 70% das decisões médicas se baseiam nos resultados de exames laboratoriais”, afirmou.
O dispositivo da empresa é utilizado por cerca de 1,6 mil empresas e instituições, incluindo redes de farmácias, como Pague Menos e Panvel; planos de saúde, incluindo da Porto Seguro e Unimed; além de unidades ligadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Figueiredo disse que o quadro de funcionários da empresa passou de pouco menos de 100 pessoas para 220 ao longo de 2020, para acompanhar o ritmo de sua expansão. “Esse número muda, toda hora entra gente nova”, complementou Figueiredo.
Abertura do mercado pelo SUS
No Brasil, o sistema de saúde é dividido entre o setor público (que atende a maior parte da população) e o setor privado (onde cerca de 24% tem plano de saúde, segundo dados de janeiro de 2019 da Agência Nacional de Saúde Suplementar).
O tamanho do crescimento da Hilab está relacionado ao tamanho do mercado que foi aberto para a empresa por conta da adoção dos testes pelo SUS e planos de saúde. “Antes a nossa solução era out-of-pocket, a gente dependia do paciente que podia pagar pelo exame, agora o exame basicamente está sendo pago pelo SUS ou pela saúde suplementar, a competição é mais justa com outros laboratórios neste momento”.
Com a COVID-19 e a pressa para testes de diagnóstico, as negociações com o SUS (que eram esperadas para acontecer em dois ou três anos) foram encaminhadas em pouco tempo. A quebra do mercado mudou até mesmo o público-alvo da Hilab.
“Antes a gente mirava um mercado que representava nem 2% do mercado total, que eram as pessoas que efetivamente iam pagar pelos exames, e de repente isso aumentou 50, 100 vezes. A COVID-19 não só gerou uma primeira grande demanda que existe até hoje, mas abriu espaço para outros exames. Crescemos em todos os exames, de gravidez, colesterol, doenças infecciosas em geral, a COVID-19 abriu novas fontes pagadoras para nós”. Em um ano, a Hilab saiu de 250 cidades para operar em cerca de mil municípios.
Próximos passos

A empresa está lançando a segunda geração de seu dispositivo, o Hilab Molecular, que realiza exames por meio de biologia molecular, utilizando também amostras de saliva e obtidas por meio de swab nasal. No novo modelo, será realizado o exame que detecta o antígeno do coronavírus, podendo determinar se o vírus está ativo no paciente.
“Ele é equivalente, do ponto de vista de metodologia, ao teste PCR molecular tradicional. A diferença é que ele acontece ao lado do paciente em 40 minutos”, disse Figueiredo.
Perguntado sobre um IPO a longo prazo, Figueiredo disse que quando se trata de uma startup no caminho de investimentos, é natural que o fundador pense em fazer um IPO. Mas ele não gosta de pensar nisso como uma meta da empresa. Para ele, o plano da Hilab é democratizar o acesso das pessoas à saúde, o que, segundo ele, a empresa já conseguiu este ano, com testes sendo feitos desde a Avenida Paulista, Faria Lima e clínicas de alto-padrão no Brasil até favelas como a Rocinha, sistema prisional de São Paulo, e em índios Kayapós na Amazônia, por meio de uma parceria com o Ministério da Defesa.
“Não existe no mundo um laboratório global, ninguém nunca fez isso. E não existe um laboratório que atendesse pacientes ricos e pobres com o mesmo serviço. É isso que a gente está tentando fazer”.