Ilustração: Felipe Mayerle
Tecnologia

Serviços de streaming irão passar TV paga em assinantes na América Latina neste ano

Chegada de novas plataformas para competir com Netflix vai impulsionar ainda mais o streaming de vídeo na região, que deve somar mais de 110 milhões de assinantes em 5 anos

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A guerra do streaming é mundial, e os próximos 12 meses serão cruciais em um palco de batalha específico: a América Latina. Não apenas a região deve receber duas plataformas de gigantes da mídia capazes de brigar em pé de igualdade com a Netflix, como o número de usuários desse tipo de serviço deverá ultrapassar, pela primeira vez na história, a base de assinantes da TV paga tradicional ainda em 2020.

A América Latina deve encerrar 2020 com 62,2 milhões de clientes de serviços de streaming de vídeo, um crescimento de 36% em relação aos números do ano passado. Mais impressionantes ainda são as projeções para o futuro próximo. Até 2024, a região deve contar com 110,7 milhões de usuários nessas plataformas – que, no jargão do setor são conhecidas como OTT, ou over-the-top, termo usado para designar a oferta de conteúdo audiovisual pela internet.

A TV por assinatura via cabo ou satélite, por sua vez, permanecerá estacionada na faixa atual de 57 milhões de clientes, após ter registrado o pico de assinantes em 2016. Os dados foram repassados aos LABS pela Ampere Analysis, consultoria especializada em análise de mídia, conteúdo e comunicação.

A América Latina deve ser a segunda região que mais cresce em termos de aumento proporcional de assinantes nos próximos 5 anos, mais do que dobrando a base entre 2019 e 2024, atrás apenas da África Subsaariana, onde o número atual de assinantes e a penetração são relativamente muito baixos”, diz Lottie Towler, analista sênior da Ampere Analysis.

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O crescimento está intimamente ligado à estreia das plataformas amparadas por gigantes da mídia e da tecnologia. A Disney+ será lançada na América Latina no último trimestre deste ano, enquanto a HBO Max estabeleceu a região para ser seu primeiro mercado fora dos Estados Unidos, a partir de 2021.

Ambas vêm carregando um imenso catálogo para disputar com serviços já estabelecidos. A pioneira Netflix deverá manter a posição de liderança, mas a concorrência que vai enfrentar será mais pesada. Amazon Prime Video e Apple TV+, que operam em países da América Latina desde 2016 e 2017, respectivamente, certamente não serão espectadoras passivas da briga. Plataformas regionais, como Claro Video, Blim TV e Globoplay, também farão movimentos importantes em campo, seja para tentar ampliar suas próprias bases ou estabelecendo cobiçadas parcerias para distribuição de conteúdo.

A Digital TV Research, empresa de inteligência de mercado sobre a indústria da televisão, prevê que as cinco grandes plataformas globais – Netflix, Amazon Prime Video, Disney+, Apple TV+ e HBO Max – dominem 88% das assinaturas de streaming na América Latina em 2025. A consultoria estima que o segmento de assinaturas (SVoD, de Subscription-based Video on Demand), excluindo os serviços baseados em anúncios (AVoD, ou Advertising-based Video on Demand), atinja  106 milhões de clientes na América Latina dentro de 5 anos, um aumento de 152% sobre 2019.

“A América Latina já é muito importante para a Netflix. O Brasil é o segundo maior mercado da empresa. E é crucial que as principais plataformas tenham conteúdo original. A Netflix, por exemplo, tem mais de 31 milhões de assinantes na América Latina, e vai querer mantê-los felizes. Já há bastante investimento em vários países da América Latina”, diz Simon Murray, analista principal da Digital TV Research, ao LABS.

Simon Murray, analista principal da Digital TV Research, diz que players locais com grandes bibliotecas de conteúdo estão “idealmente posicionados” para oferecer plataformas baseadas em anúncios. Foto: Arquivo pessoal.

Investimento em conteúdo local vai ser intensificado

Além do crescimento em assinantes, a primeira metade da década de 2020 provavelmente será um período de investimento pesados em conteúdo local. As grandes plataformas provavelmente irão ampliar seus portfólios produzidos na América Latina, com um crescente menu de séries, filmes e documentários em espanhol ou português.

O movimento é claro desde já: 15% dos filmes e séries recentemente anunciados por Netflix e Amazon Prime Video, as duas grandes plataformas internacionais já estabelecidas na região, serão em língua espanhola ou portuguesa, de acordo com a Ampere Analysis, que acompanha o conteúdo contratado pelos grandes serviços. Uma parte desses programas são produzidos na Europa, em Portugal ou na Espanha, mas têm grande apelo entre o público latino-americano.

“As plataformas estão investindo bastante para tornar suas ofertas mais regionalizadas. Isso aumenta a concorrência para as plataformas locais, uma vez que essa é uma área em que historicamente, elas conseguiram se diferenciar, com a oferta de conteúdo regional”, diz Towler, da Ampere.

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Por outro lado, o investimento regional pode trazer bons resultados globais. A Ampere, que rastreia os 10 conteúdos mais buscados na Netflix em 60 países, percebeu um aumento no interesse por programas em espanhol. “Vários títulos, como La Casa de Papel, fizeram muito sucesso não apenas nos mercados de língua espanhola, mas também em outros locais”, afirma Towler.

Os competidores nativos também vão brigar com os gigantes

Em todos os seus movimentos, os gigantes terão competição local, representada principalmente por grandes redes de TV ou empresas de telefonia, como Globo (Brasil), América Móvil e Televisa (México), e seus respectivos serviços de streaming Globoplay, Claro Video e Blim TV.

Mas não será fácil para as plataformas regionais, uma vez que os serviços globais tendem a seguir os passos da Netflix e produzir uma proporção cada vez menor de seus conteúdos nos EUA e cada vez mais internacionalmente.

Quando se trata de serviços locais, acho que o desafio óbvio é o orçamento que eles têm. É difícil competir com os gigantes quando eles investem tanto em seu próprio conteúdo original.

Lottie Towler, analista sênior da Ampere Analysis.

De acordo com Murray, da Digital TV Research, há espaço na América Latina para outros formatos, a exemplo do que chama “plataformas de importação”, que agregam conteúdo pré-produzido. “Fico surpreso que a Televisa e a Globo, por exemplo, não tenham olhado mais para isso, dado o conteúdo que já possuem.

Claro, [Globo e Televisa] têm acordos que não querem estragar com retransmissoras e operadoras de TV paga em toda a região, mas é de se pensar que essas duas empresas têm a posição ideal para explorar o mercado AVoD.

Simon Murray, analista principal da Digital TV Research

De acordo com a consultoria, a Claro Video continuará sendo o maior player local, passando de 2,7 milhões para 3,7 milhões de assinantes até 2025, embora os serviços da região devam enfrentar dificuldades para ganhar novos assinantes. Blim e Movistar Play, controlada pela espanhola Telefónica, crescerão pouco – o primeiro, de 297.000 para 450.000 usuários; o segundo, de 392.000 para 609.000. A brasileira Globoplay não divulga seus números e portanto as consultorias internacionais não acompanham a sua evolução.

A pandemia e os serviços digitais

Além dos novos serviços, da busca por conveniência e da evolução tecnológica, a pandemia de Covid-19 oferece outra corrente impulso na oferta por serviços digitais em geral, inclusive na América Latina, e mesmo em meio à grave crise econômica provocada pelo vírus. As medidas de distanciamento social levaram as pessoas a buscar mais entretenimento no ambiente doméstico, e não se vislumbra no horizonte uma recuperação simples para as salas de cinema. 

O JustWatch, guia de streaming que monitora o setor em 46 países, identificou uma explosão no uso das plataformas nos dois maiores mercados da América Latina. No México, entre 15 de março e a primeira quinzena de maio, a HBO Go viu seu tráfego de dados aumentar em mais de quatro vezes, enquanto a Amazon mais que triplicou e Netflix registrou crescimento de 188% nos acessos. No Brasil, mesmo em um período mais curto de observação, do início de abril a meados de maio, os aumentos foram superiores a 100% para todos os serviços, com os usuários da Amazon chegando perto de triplicar seus acessos.