Pode soar como algo saído de um filme de ficção científica, mas a Starlink, serviço de internet via satélite da SpaceX, de Elon Musk, está a caminho de criar uma rede global capaz preencher os vácuos de acesso em qualquer lugar do planeta, incluindo regiões mais isoladas da América Latina.
Na semana passada, um foguete SpaceX Falcon 9 lançou uma nova frota de 60 satélites da Starlink em órbita terrestre baixa, elevando o número total de satélites da empresa para 1.325 (algo já bem próximo da meta inicial da empresa de ter 1.440 satélites orbitando a Terra). Mas isso é apenas o começo. A SpaceX tem permissão da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC) para lançar até 30.000 satélites, com a opção de implantar ainda mais no futuro.
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A Starlink entrou em fase beta de testes em outubro do ano passado, em regiões remotas e rurais selecionadas dos Estados Unidos, onde foi recebida com muito entusiasmo. Desde então, mais de 10 mil usuários no país e em cinco outros países receberam acesso ao serviço. Expandir de olho nos mais de 450 milhões de usuários de internet na América Latina é o próximo item da lista da Starlink.
A empresa está licenciada para operar na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México – o Chile deve ser o primeiro onde o serviço começará efetivamente na metade deste ano. A Starlink já começou a aceitar pré-registros de usuários interessados nesses cinco primeiros países da América Latina em fevereiro, mas mais satélites devem ser lançados e o equipamento de solo deve ser instalado localmente antes que a rede esteja totalmente operacional nesses territórios até o fim deste ano.
Por que a Starlink está vindo para a América Latina?
A chegada do Starlink é uma boa notícia para muitas comunidades e regiões isoladas da região que sofrem com o acesso limitado ou inexistente à conexão banda larga – uma necessidade que só foi ampliada pelas demandas de trabalho remoto e EAD, e o boom do comércio eletrônico durante a pandemia de COVID-19.
Embora a base de assinantes de banda larga fixa residencial da América Latina e do Caribe deva expandir 5,6% em 2021, para 91,1 milhões, 56% dos lares da região ainda não têm acesso a esse serviço, de acordo com a S&P Global Market Intelligence.
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O acesso móvel à internet também não fecha totalmente essa lacuna, reassalta Diego Canabarro, gerente sênior de políticas regionais para a América Latina e o Caribe da Internet Society, uma organização sem fins lucrativos global com foco em política, tecnologia e desenvolvimento da internet: “93% da região é coberta por banda larga de internet móvel, [o que significa que 7% da população não recebe nenhum tipo de sinal]. Do ponto de vista das políticas públicas, isso pode parecer bom, mas 7% da população é mais de meio milhão de pessoas.”
Apropriadamente chamado de fase beta Better than Nothing (Melhor do que nada), o objetivo da Starlink é fornecer um serviço de internet rápido e confiável para locais não atendidos por tecnologias tradicionais. A empresa está buscando ativamente a aprovação regulatória para implantar seus serviços também em carros, caminhões, barcos e aviões em um futuro próximo.
Embora já existam alguns provedores de internet via satélite servindo a América Latina, a principal vantagem da Starlink sobre seus concorrentes é o uso de satélites de tela plana de baixa órbita terrestre 60 vezes mais próximos do planeta do que os usados por outros provedores, como a HughesNet, da EchoStar.
Essa proximidade influencia diretamente a latência de dados e reduz o tempo que um sinal leva para viajar do(s) dispositivo(s) conectado(s) à internet até o servidor, ou vice-versa. A desvantagem, no entanto, é que esses satélites são claramente visíveis à noite, o que deixa astrônomos e cientistas preocupados com seu impacto, especialmente depois que a trajetória do cometa NEOWISE foi recentemente ofuscada por eles.
A Starlink promete uma taxa de transferência de dados de 50-150 Mbps com uma latência de 20-40 milissegundos e, até agora, o serviço parece estar cumprindo essa promessa. Os usuários beta atuais estão relatando 80 Mbps a 150 Mbps em velocidades de download e cerca de 30 Mbps em velocidades de upload, com uma latência de cerca de 30 milissegundos, que é semelhante à internet fixa tradicional.
Durante a fase de implementação, a Starlink avisa que haverá breves períodos sem conectividade, mas a latência e o tempo de atividade continuarão a melhorar à medida que a empresa for lançando mais satélites, instalando novas estações terrestres e melhorando seu software.
A Internet Society colabora com comunidades marginalizadas em todo o mundo para estabelecer uma infraestrutura local de Internet baseada na comunidade em lugares que de outra forma não teriam acesso. Muitos desses locais são simplesmente muito pequenos ou isolados para valer a pena o esforço de provedores de cabo, fibra ou internet móvel para trazer serviços para eles, mas Starlink eliminaria a maioria, se não todas, dessas dores de cabeça, disse Christian O’Flaherty, o vice-presidente regional da Internet Society para a América Latina e o Caribe.
Há muito potencial na [Starlink] e isso terá um grande impacto em lugares onde é muito difícil para os provedores de serviço atuais acessarem. Existem muitas barreiras que eles podem superar com essa tecnologia e tenho certeza de que ela permitirá que muitas pequenas comunidades se conectem à internet
Christian O’Flaherty, vice-presidente regional da Internet Society para a América Latina e o Caribe.
Acesso à internet não é apenas um problema das rurais. Comunidades carentes em muitas cidades também têm a mesma necessidade– além de políticas públicas e questões de infraestrutura que precisam ser tratadas para melhorar a equidade de acesso na região.
“Com a pandemia, ficou evidente que construir [o acesso à] internet do centro da infraestrutura para as margens tem limitações porque os recursos governamentais são escassos e as empresas nem sempre têm o incentivo necessário para ir até a última milha. Além disso, a forma como todo o arcabouço regulatório das telecomunicações foi estruturado no século passado deu como certa a geografia. Eu moro em São Paulo, Brasil, e na minha vizinhança, você só tem um dos cinco maiores provedores de internet porque toda a estrutura de incentivos permite que eles segmentem suas atividades em áreas de interesse. Portanto, o que também precisamos é uma forma de repensar esses modelos regulatórios e estruturas de políticas públicas para permitir que as tecnologias atuais relacionadas à internet sejam usadas de maneira mais inteligente”, disse Canabarro.
Em que medida a Starlink pode mudar o jogo?
A Starlink não será a solução mais acessível para resolver a questão do acesso, mas é uma virada de jogo em potencial para empresas e consumidores que não têm outras opções. A empresa está atualmente pré-registrando clientes em seu site com um depósito reembolsável de US$ 99. O serviço também requer a compra de um kit de hardware Starlink, que custa US$ 499 mais frete. Depois desse investimento inicial, o serviço custa US$ 99 ao mês – preço bem acima da média no Brasil, mesmo para serviços de satélite.
Em 2020, um levantamento da União Internacional de Telecomunicações (UIT) e da Alliance for Affordable Internet (A4AI) mostra que o custo médio da internet fixa ao consumidor final no país é de US$ 29,17, e o da internet móvel para uma franquia de 1,5 GB de US$ 7,43. Quando se trata de serviços de internet via satélite, não há um relatório consolidado, pois ainda existem poucos deles operando no Brasil. Dentre os já disponíveis, o plano inicial da HughesNet custa R$ 159,90 ($ 28) por mês, e da Viasat R$ 199 ($ 35) – ambas já estão se preparando para a chegada da Starlink.
Nenhum preço foi anunciado para a fase pós-beta, mas Starlink sinaliza que os novos valores devem ser mais baixos que os atuais.
Traduzido por Fabiane Ziolla Menezes