A pandemia de COVID-19 está acelerando o uso de cartões de débito no comércio eletrônico brasileiro. É natural que isso aconteça em um país onde o número de desbancarizados ainda é grande – 45 milhões, segundo pesquisa de 2019 do Instituto Locomotiva – e o acesso ao crédito ainda é restrito. O uso desse método de pagamento no ambiente on-line começou a ser mais promovido no país em 2018, quando o consórcio mundial de bandeiras EMVco começou a testar um novo protocolo de autenticação, chamado de 3DS 2.0. Mais completo que outros sistemas de autenticação disponíveis no mercado e muito mais simples que a sua primeira versão, lançado no fim dos anos 90, esse protocolo promete fazer o uso do cartão de débito no e-commerce decolar no Brasil.
De lá para cá, grandes provedores de produtos digitais, como Uber, Spotify, Netflix, Rappi e iFood, passaram a aceitar o pagamento online por cartão de débito no Brasil. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), atualmente, 78% das compras online são realizadas com cartão de crédito no país; 6,5%, com cartão de débito. Também segundo a entidade, 38,1 milhões de pessoas possuem apenas cartão de débito no país, e cerca de 20,6 milhões, cartões múltiplos em que a função crédito não está ativa. Ou seja, com o 3DS 2.0, pelo menos 58,7 milhões de novos cartões poderiam estar aptos a comprar no comércio eletrônico usando o débito direto em conta. No total consolidado pelo Banco Central ao final de 2019, o Brasil tinha 110 milhões de cartões de crédito e 116 milhões de cartões de débito ativos– este último número deve ter crescido muito com a pandemia.
O que falta, então, para o débito no e-commerce crescer mais? Novos hábitos por parte dos consumidores – algo que a pandemia está ajudando a mudar mais rapidamente – e a integração de mais emissores (bancos e fintechs que são quem efetivamente decide conceder um cartão para um usuário) e varejistas ao novo protocolo.
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Como funciona o 3DS 2.0?
O 3DS 2.0 nada mais é do que um protocolo de autenticação de transações por débito ou crédito. A cada transação, o 3DS analisa cerca de 100 tipos de informações, que são criptografados e enviados ao banco para autorizar transações com menor risco. O cliente pode confirmar sua identidade rapidamente com código enviado por SMS ou com token, entre outras formas.
Quanto mais simples e rápida uma transação, maior a chance de um consumidor levar a compra até o final, sem abandonar o carrinho. Quanto mais acostumado também aos serviços digitais, mais fácil é para o brasileiro passar a fazer compras com cartão de débito online – uma pesquisa da consultoria Fujitsu, encomendada pelo Valor Investe, mostra que um em cada quatro brasileiros usa bancos e fintechs no dia a dia –, mas é preciso que a opção seja informada a ele. E isso só começou a acontecer recentemente, com campanhas tanto por parte dos varejistas e plataformas que passaram a aceitar essa forma de pagamento, como por parte dos emissores.
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A experiência ruim com a primeira versão do 3DS também precisa ser superada. Na primeira versão, o usuário era levado para uma outra janela, fora do site do varejista e dentro do ambiente do banco emissor para finalizar a compra. Isso gerava um estranhamento grande por parte do usuário, que acaba abandonando a compra.
Novo protocolo dá a emissores papel mais ativo
No caso dos emissores, os principais bancos brasileiros (Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Santanter), além de algumas das principais fintechs, como o Nubank, já aderiram ou estão em processo de adesão ao 3DS 2.0 – entre os bancos, o Bradesco foi o último a iniciar o processo, em março deste ano. E esse processo, segundo a Mastercard, é algo de médio prazo – embora a pandemia tenha contribuído uma certa aceleração dessa integração.
O fato é que a compra por débito virtual envolve uma dinâmica de risco diferente da transação física, onde o risco pode recair sobre o estabelecimento. No 3DS é o emissor que verificará se o usuário do cartão é realmente o usuário e é o vendedor que solicitará a autorização da transação.
“Eu acho que a questão do risco foi um grande componente para a não adoção do cartão de débito no volume (que poderia ter) anteriormente. O mundo do cartão não presente hoje ele é majoritariamente para transações muito pequenas. Mas a entrada de um novo protocolo de autenticação, com os próprios emissores também participando, impondo suas próprias regras, muda essa perspectiva,” observa o diretor executivo da Visa do Brasil, Hugo Costa. “Uma transação que foi autenticada, e depois autorizada, a chance dela de ter fraude é mínima, porque os dois lados da cadeia trocaram informações”, complementa Costa.

“O 3DS é o único protocolo de segurança que envolve as três partes da transação (comércio/adquirente, bandeiras e bancos). É um processo mais robusto e completo,” acrescenta Felippe Galeb, diretor de Cyber & Intelligence Solutions da Mastercard Brasil.
A maior adesão de fintechs de pagamento que fazem o meio de campo entre lojas virtuais e consumidores também está ajudando o cartão de débito a ganhar mais espaço no mundo online. Uma delas é o EBANX, fintech que processa pagamentos de empresas internacionais, como o já citado Spotify, para consumidores latino-americanos, e à qual o LABS pertence. Em junho deste ano, o EBANX registrou um crescimento de 115% no valor total de pagamentos feitos com cartão de débito em comparação ao mesmo mês do ano passado.
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Se a adesão de emissores e consumidores ao débito no e-commerce está caminhando, parece ser a adesão dos varejistas e das plataformas em geral aquela andando a passos mais lentos. Nesse caso, a dúvida mora na diferença que a oferta desse tipo de pagamento pode fazer na hora de atrair novos consumidores versus os custos (de integração da plataforma e também nas transações) para isso.
Para aderir ao 3DS 2.0, é necessário que o varejista procure o seu fornecedor de serviço de credenciamento (adquirente) e solicite a inclusão da tecnologia em sua plataforma de vendas. Cada adquirente tem um processo e, por isso, os custos de integração e depois por transação com o 3DS também são distintos. As bandeiras acreditam que a medida que o volume de vendas for aumentando mais varejistas irão, naturalmente, passar a oferta o cartão de débito como método de pagamento online.
“Com a autenticação implantada no varejista, a taxa de aprovação é ampliada, contribuindo para o aumento das vendas, ajudando a reduzir chargeback (estorno do dinheiro ao usuário pagador) e abandono de carrinho. Com o protocolo implementado, a redução no volume de fraudes e chargeback cai entre 70% e 100%,” diz Galeb. “Ao aceitar o débito online nas plataformas de vendas, a Mastercard estima que o estabelecimento aumente, em média, 18% o volume de transações do que aceitando apenas a função crédito. Em alguns casos, esse valor pode chegar até 30% de volume extra, então existe um grande potencial para ser alcançado,” complementa ele.
Mesmo soluções fora do 3DS 2.0 ganharam corpo nesse período de pandemia. Desde abril, a Caixa Econômica Federal abriu mais de 50 milhões de contas digitais para repassar a trabalhadores autônomos e informais o auxílio emergencial referente à pandemia de COVID-19. Cerca de 40% dessas pessoas não tinham nenhum tipo de conta bancária e passaram a ter a opção digital da Caixa, que também vem com um cartão virtual de débito, aceito em mais de 1,000 estabelecimentos comerciais no país, incluindo sites de grandes varejistas, como Magazine Luiza e Via Varejo. No caso desse cartão virtual da Caixa, a autenticação nos sites que passaram a aceitar o dispositivo é feita com um CVV, número de segurança do cartão, dinâmico, que muda a cada utilização.