Foto: Rodrigo Ghedin/Manual do Usuário
Tecnologia

Uma pequena vitória contra uma Big Tech

Pressionado, WhatsApp desiste de obrigar usuários a concordar com sua nova política de privacidade

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Regra geral, quando uma Big Tech decide mexer em seus serviços e produtos, só nos resta aceitar e nos adaptar à nova realidade ou desertar. Foi assim com as linhas do tempo algorítmicas das redes sociais, com as incontáveis reformulações de interfaces, com os novos termos de uso que poucos se importam em ler. Até que o WhatsApp tentou mudar a sua política de privacidade no início de 2021 e, para surpresa até dos críticos mais otimistas, perdeu.

Sem fazer alarde, no último dia 24 de maio o WhatsApp enviou um comunicado ao site The Next Web, dizendo que “não temos planos de limitar as funcionalidades do WhatsApp àqueles que não aceitaram a atualização”, em referência à nova política de privacidade.

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Foi uma mudança de percurso surpreendente. Poucos dias antes, o WhatsApp ameaçava usuários de que a rejeição à nova política de privacidade, apresentada em janeiro deste ano e válida a partir de 15 de maio, implicaria na perda gradual de funcionalidades, como iniciar conversas e receber ligações e videochamadas, até que o aplicativo ficasse inutilizável, e que em paralelo intensificaria a exibição de popups em tela cheia pedindo o aceite.

Não mais. O WhatsApp continuará exibindo o popup na mesma frequência (no meu celular, ele aparece cerca de uma vez por dia) e diz agora que “[…] os usuários que não aceitaram a atualização terão oportunidades para fazê-lo diretamente no app, como ao registrar-se novamente no WhatsApp ou ao usar pela primeira vez um recurso relacionado a essa atualização”. Quando você trocar de celular, por exemplo, terá de ceder para continuar usando o WhatsApp.

Apesar disso, a mudança de postura do WhatsApp pode ser considerada uma vitória dos usuários contra a Big Tech. Uma vitória construída a muitas mãos, de gente como eu e você, de ONGs que defendem a privacidade e de países onde o WhatsApp é o meio de comunicação digital mais popular.

De um lado, o anúncio da nova política de privacidade do WhatsApp em janeiro provocou um êxodo de usuários para seus principais rivais, Telegram e Signal. A perda de usuários, o ativo mais valioso de empresas como o Facebook, sempre dispara um alarme, e a sangria do início do ano foi grande o bastante para se fazer sentir. Segundo a consultoria Sensor Tower, o salto em downloads do Telegram em janeiro foi de 283%, para 63,5 milhões, e o do Signal, de 5.001%, para 50,6 milhões.

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Do outro lado, governos do mundo inteiro pressionaram o WhatsApp e exigiram explicações. Na América Latina, destaque para os posicionamentos de Brasil, Argentina, , que bateram o pé e arrancaram do WhatsApp prorrogações ao início da degradação da experiência daqueles que não aceitaram os novos termos até 15 de maio.

Foi irônico, aliás, ver o WhatsApp/Facebook ser vítima de desinformação. Ainda hoje, seis meses depois, ouve-se que a (já não tão) nova política de privacidade do WhatsApp permitiria o compartilhamento de dados do aplicativo com a rede social Facebook. Isso já acontece desde 2016.

O equívoco, além de tumultuar o debate, revela o amplo desconhecimento do ferramental que usamos no dia a dia e explica por que práticas corriqueiras e questionáveis de empresas como o Facebook são executadas com discrição, soterradas no juridiquês de contratos de adesão e apresentadas de maneira vaga. Elas cheiram muito mal quando expostas à luz.

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Não que as mudanças propostas — as verdadeiras — não sejam ruins. Como explicado aqui no LABS, elas abrem uma brecha na até então obrigatória criptografia de ponta a ponta. Quando o usuário conversar com uma empresa que terceirize o gerenciamento das suas comunicações no WhatsApp, tais conversas poderão ser vistas e processadas por esses terceirizados.

Há outras batalhas em andamento contra a Big Tech no front de produtos e serviços, como a proposta do Google de substituir cookies de terceiros no Chrome pela tecnologia “FLoC”, e, nos Estados Unidos, o projeto Sidewalk da Amazon, que transformará produtos da marca, como os alto-falantes Echo, em repetidores Wi-Fi públicos por padrão.

A luta continua.

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