Pouco mais de R$ 4,7 bilhões. Esse é o valor de mercado que a Smiles, subsidiária da Gol responsável pelo programa de fidelidade da companhia, atingiu no início desta semana após uma nova proposta de incorporação pela empresa aérea. Após 7 anos separada da Gol, a Smiles voltará a fazer parte da companhia, em um movimento que busca mais sinergia entre as duas operações. E o movimento não é isolado, mas parte de uma tendência mundial de (re)incorporação dos programas pelas companhias aéreas – a alta de quase 20% nas ações da Smiles após o anúncio, e que somou R$ 777,2 milhões ao seu valor de mercado, mostra o quanto o mercado aprova o movimento.
Ainda em janeiro de 2019, a Air Canada finalizou a aquisição do seu programa de fidelidade Aeroplan. Há alguns anos, a Aeroméxico também busca uma forma de comprar os 49% de participação que lhe faltam para controlar o programa Club Premier.
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Também de olho nesse movimento, a Latam, segundo maior player do mercado brasileiro, desembolsou no final de 2018 cerca de US$ 300 milhões (em torno de R$ 1,248 bilhão) para recomprar as ações da Multiplus e unificar a operação desta última com a Latam Fidelidade, lançando o novo programa Latam Pass em outubro deste ano.
“O alto investimento da Latam, a preocupação da Gol com o Smiles e o zelo da Azul pelo TudoAzul dão a dimensão da importância dessa parcela da operação,” aponta o analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman.
A união dessas operações traz ganho de eficiência para as companhias aéreas, que passam a ter mais liberdade de gestão sobre reservas e precificação de assentos feitas por meio de milhas, por exemplo. A reincorporação dos programas de fidelidade também vai possibilitar o desenvolvimento e a oferta de novos produtos, serviços e experiências personalizadas aos passageiros e clientes dos programas de fidelidade.
É o caso da Smiles, que recentemente fechou parceria com o programa de fidelidade do Nubank, o Nubank Rewards. Em vigor desde o fim de setembro, a opção permite que os clientes da fintech assinantes do programa possam trocar pontos acumulados no cartão de crédito por milhas Smiles. Além de não haver valor mínimo para troca, os pontos do Nubank Rewards não expiram – permitindo ao consumidor fazer a troca apenas no momento que realmente quiser usar o benefício.
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Com o novo formato de seu programa, a Latam mirou na facilitação do processo para o usuário, que até então acumulava pontos no Latam Fidelidade e resgatava na Multiplus. Após a unificação, o processo se tornou mais simples.
“Tanto a questão do programa de fidelidade, como a junção com a Delta colocam a Latam num outro patamar na América Latina. Mesmo a GOL a desbancando há algum tempo em market share no Brasil, o Multiplus mantém a dianteira nos programas de fidelidade e sem dúvida, o movimento de absorção que a Latam fez reincorporar o Multiplus deu a flexibilidade que o programa necessitava para servir melhor aos clientes,” explica. O Latam Pass está disponível em outros países latino-americanos e possui 23 milhões de clientes só no Brasil.
Na contramão dos indicadores macro
Não por acaso, o setor de fidelidade ganha ritmo em um momento em que alguns indicadores macroeconômicos do país não favorecem o consumo. Nessa perspectiva, o analista da Ativa Investimentos ressalta que as milhas podem desempenhar um papel complementar na composição da renda dos brasileiros.
“Mesmo vendo alguns avanços macroeconômicos, os dados qualitativos ainda apontam um grande caminho a ser vencido pelo país”, diz Arbetman. Um desses dados é o descompasso gerado por uma previsão de crescimento de renda abaixo da projeção de crescimento da inflação no país – o que leva o brasileiro a recorrer a fontes alternativas de renda e a linhas de crédito disponíveis.
“Tendo a opção de escolher um produto com e sem benefícios, a probabilidade de que ele (brasileiro) fique com o que proporciona mais benefícios é interessante. E para a empresa de fidelidade, a operação de cartões é fundamental, já que fornece um spread maior que a própria venda de passagens –mais um motivo para as companhias estarem absorvendo as fidelizadoras”, explica o especialista. “O contexto macroeconômico do país ainda abraça a relevância de se obter fontes de renda alternativas e nisso, os cartões ganham destaque.”
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Ciente desse contexto e mirando em um consumidor que, seja pela cultura ou pelo panorama econômico, é sensível ao preço, o marketplace MaxMilhas surgiu em 2013 para preencher a brecha que havia entre quem buscava passagens mais baratas e quem queria vender suas milhas.
“Transformamos o mercado e tornamos mais de 4 milhões de viagem possíveis com mais de 40 bilhões de milhas negociadas, isso representa economia e também renda extra aos brasileiros que puderam rentabilizar suas milhas”, conta Tahiana D’Egmont, CMO da empresa, em entrevista ao LABS.
Ela afirma que, de acordo com dados de uma pesquisa realizada com os clientes do marketplace, 37% dos respondentes afirmaram que não viajariam de avião se não fosse pelo preço encontrado na plataforma. “Isso é um recorte do consumo geral. Segundo uma pesquisa recente elaborada pela MindMiners, o turista nacional utiliza mais carros e ônibus (72% viajaram por rodovias), ao invés de avião (27%), para se locomover pelo país,” explica Tahiana.
Frente a players como a MaxMilhas, os movimentos como da incorporação da Smiles pela Gol e da unificação dos programas da Latam promovem uma competição mais acirrada.
“Antes não se olhava muito para as oportunidades do setor, e estas empresas com soluções alternativas como a MaxMilhas realçaram para as aéreas a necessidade de se olhar com mais cuidado para a questão da fidelidade,” destaca Arbetman. Para o analista da Ativa Investimentos, a tendência é de que essa atualização dos programas de fidelidade faça com que eles também passem a mirar um mercado que, até então, era abastecido apenas pelas empresas de milhagem, como a MaxMilhas.
Ser responsável por destacar a importância do mercado de milhas para as áreas, na visão de Tahiana, é um ponto positivo. “Ter empresas no mesmo segmento que criamos atesta que conseguimos, em seis anos de trabalho, consolidar esse mercado. Além disso, multiplicamos as possibilidades de tornar passagens aéreas mais acessíveis ao maior número de pessoas. Além de, é claro, ser mais uma forma consistente de utilização das milhas, algo que, até então, tinha uso restrito a troca de produtos ou passagens,” afirma a CMO da MaxMilhas.
Mas com mais concorrência no segmento, as grandes companhias aéreas não pouparão esforços para capitalizar seus programas de fidelização, tornando-os mais abrangentes e competitivos. “Acredito que os programas passem agora para um estágio onde o crescimento da base é importante mas mais que isso, o foco passe a ser a monetização dessa base,” projeta Arbetman. “Nesse sentido, o fato de eles estarem sob a batuta das aéreas é fortuito e pode reduzir o hiato que existia entre os objetivos dos programas e o que as aéreas queriam que eles oferecessem”.
Brasil tem potencial ainda inexplorado no mercado de milhas
Ainda que em ascensão, o fato é que o segmento de fidelidade tem um longo horizonte de crescimento adiante. Diferente de outros mercados mais desenvolvidos, no Brasil, a penetração desses programas, num contexto amplo, ainda é baixa. E isso não é um problema, mas, sim, oportunidade.
“Em linhas gerais, atualmente pouco mais de 10% das milhas acumuladas são através de voos e 77% da utilização delas é para passagens. O passageiro ainda está aprendendo que voar é uma forma de angariar milhas também.” explica o Arbetman. “O mercado é novo e tem correlação positiva com o movimento de queda de juros e dinamização da economia que vem sendo pauta-chave federal.”
Devido ao caráter relativamente recente do segmento no país, o potencial de crescimento desse mercado é evidente, chegando a ser, inclusive, maior do que o da venda de passagens. “Para efeito de comparação, o tráfego de passageiros na aviação global avançou 3,4% em outubro (em comparação ao mesmo mês do ano passado). O faturamento total bruto da Smiles aumentou 7,7% no mesmo período”.
É esse potencial ainda inexplorado de crescimento que faz com que a MaxMilhas não considere que o momento seja de tirar o foco do Brasil quando o assunto é expansão internacional. “A internacionalização faz parte dos nossos planos. Encaramos a América Latina como uma possibilidade muito forte de expansão. No entanto, o momento é de ampliar as nossas possibilidades de atuação no mercado brasileiro,” justifica Tahiana.