O Banco Central demonstrou preocupação com a adoção de políticas fiscais que buscam controlar a inflação no curto prazo, ressaltando que as medidas podem gerar efeito contrário, de alta nos preços, mostrou a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira.
O documento foi interpretado por parte do mercado como duro, embora não tenha avançado em informações sobre o percentual de aperto monetário que será adotado na próxima reunião do colegiado, em março. Foi mantida a posição apresentada no comunicado da última semana de que é mais adequado o ritmo do ciclo de altas ser reduzido, deixando indefinida a magnitude.
“A incerteza particularmente elevada sobre preços de importantes ativos e commodities, assim como o estágio do ciclo, fez o Comitê considerar mais adequado, neste momento, não sinalizar a magnitude dos seus próximos ajustes”, informou o Bacen.
De acordo com a autoridade monetária, desde a última reunião do Copom, em dezembro, a maioria das commodities reverteu a queda observada no fim do ano e, em alguns casos, atingiram recordes recentes, reforçando o ambiente de preços pressionados.
A avaliação sobre o risco de usar os cofres do governo para aliviar preços de produtos foi apresentada em meio às discussões feitas no Executivo e no Congresso sobre um possível corte de tributos para aliviar os valores cobrados em combustíveis. Propostas sobre o tema já tramitam no Legislativo, com impactos que podem superar R$ 50 bilhões ao ano.
“O Comitê nota que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva”, destacou o Bacen.
Na semana passada, o Bacen aumentou a taxa básica de juros em 1,50 ponto percentual, ao patamar de 10,75% ao ano, mas indicou uma redução no ritmo de ajuste na próxima reunião do Copom, em março, além de apontar que o horizonte relevante da política monetária inclui, “em maior grau”, o ano de 2023. As avaliações foram repetidas na ata do encontro divulgada nesta terça-feira.
Na ata, o Bacen também mostrou uma revisão relevante na projeção de alta dos preços administrados, categoria que inclui energia elétrica, gás de cozinha e transporte urbano. A estimativa agora está em alta de 6,6% para 2022, ante previsão de 3,8% feita em dezembro.
“A revisão se deveu majoritariamente ao forte avanço nas cotações do petróleo desde a última reunião do Comitê, assim como a itens administrados cujas variações devem se repetir ao longo do ano”, disse.
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Na análise do Bank of America (BofA), a ata do Copom passou uma mensagem mais “hawkish” – termo referente à postura adotada quando existe a intenção de aumentar ou manter elevadas as taxas de juros do país.
“O Copom concluiu mais uma vez que o processo de aperto monetário deveria ser mais restritivo do que o utilizado no cenário de referência ao longo do horizonte relevante, o que implicou um aumento das taxas para 12% no primeiro semestre de 2022, depois reduzindo as taxas para 11,75% até o final do ano, e para 8% em 2023. Não está claro o que significa um ‘processo mais restritivo’. Poderia tanto sinalizar uma taxa terminal mais alta, seguida de cortes, ou a manutenção da taxa terminal com um ciclo de flexibilização sendo adiado”, diz o comentário do BofA.
O BofA revisou a taxa de Selic terminal para 12,25% até maio de 2022 e prevê que o Bacen eleve a Selic mais duas vezes, mas desacelerando o ritmo: em março, deverá subir 1% e em maio, 0,5%. O BofA manteve a previsão da Selic em 9,5% para 2023.
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Para Marco Antonio Jacob Caruso, economista-chefe do Banco Original, a ata do Copom “foi o que o comunicado da semana passada deveria ter sido”, mais clara sobre a necessidade de juros mais altos e por um período mais longo, até que a convergência da inflação à meta fique mais clara. “A comunicação de hoje reforça o nosso cenário de Selic terminal em 12,25% ao ano, a ser atingida em maio desse ano e salienta a necessidade de mantê-la nesses níveis por um período prolongado”, disse Caruso em nota.
Para o economista, outro ponto relevante foi a preocupação em explicitar que, em suas simulações de cenário, o Copom avaliou a “duração” do aperto do monetário, e não apenas o ritmo de alta da Selic e o seu ponto final no ciclo.
Cenário econômico
O Bacen considerou que suas projeções para a inflação se encontram acima da meta tanto para 2022 quanto para 2023. Por isso, o ciclo de aperto deverá ser mais contracionista do que o utilizado no cenário de referência ao longo do horizonte relevante.
A ata reforçou que o ambiente externo segue menos favorável, explicando que a maior persistência inflacionária nos Estados Unidos aumenta o risco de um aperto monetário naquele país, o que torna as condições financeiras mais desafiadoras para economias emergentes.
Para o Bacen, a nova onda de Covid-19 adiciona incerteza sobre o ritmo da atividade e pode postergar a normalização das cadeias globais de produção.
Em relação à atividade no Brasil, o Bacen afirmou que indicadores relativos aos setores de comércio e serviços mostraram evolução ligeiramente melhor que a esperada, enquanto a indústria apresentou recuperação em dezembro.
Para 2022, embora registre que o crescimento tende a ser beneficiado pela normalização da atividade e pelo desempenho da agropecuária e do mercado de trabalho, o Copom fez ressalva sobre o futuro.
“Os índices de confiança divulgados desde a última reunião seguem mostrando deterioração, e desenvolvimentos climáticos afetaram as projeções de importantes culturas agrícolas”, disse.
Nesse cenário, o Copom afirmou que a inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada em vários componentes, e segue se mostrando mais persistente do que o antecipado.