Economia

CPI da COVID-19 aumenta crise para aprovação do Orçamento

Do lado do Congresso, a avaliação é que a criação da CPI vai tornar mais difícil uma negociação que já era tensa e não caminhava

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes
Foto: REUTERS/Adriano Machado
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  • A criação da CPI da COVID-19 acontece em um momento e que o Executivo tentava fechar um acordo para o Orçamento desse ano com o Congresso; a negociação regrediu, disseram fontes;
  • A ideia era alcançar um meio-termo entre o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, considerava uma blindagem jurídica para o governo e a intenção do Congresso de fazer cortes “cirúrgicos”;
  • No Planalto é claro que as falas de Paulo Guedes e as acusações do ministro acabaram com qualquer capacidade de diálogo entre ele e os parlamentares.

O Palácio do Planalto foi atropelado pela decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), de determinar a criação da CPI da COVID-19 em um momento em que tentava fechar um acordo para o Orçamento deste ano e a negociação, que havia avançado nas últimas horas, regrediu, disseram fontes ouvidas pela Reuters.

Após intensas conversas, o Palácio do Planalto havia chegado a alguns pontos comuns na noite de quinta-feira para tentar resolver o problema em que se transformou a aprovação do Orçamento. A ideia era alcançar um meio-termo entre o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, considerava uma blindagem jurídica para o governo – o veto total – e a intenção do Congresso de fazer cortes “cirúrgicos” que não chegariam ao total necessário para tornar o texto, classificado como “fictício” pela equipe econômica, possível.

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A proposta envolveria vetos do presidente Jair Bolsonaro e, apesar do corte que iria atingir basicamente as emendas parlamentares, se desenhava uma alternativa. Mas, de acordo com uma das fontes, seriam justamente as emendas do Senado as mais atingidas.

“Uma CPI é aquilo, todo mundo sabe como começa, mas ninguém sabe como termina. No meio dessa negociação, que já é difícil, o Senado ganha outra musculatura”, disse uma fonte do Executivo. “Lembrando ainda que o Senado não tem ministério, tem uma disputa interna com a Câmara e outra com Paulo Guedes. Vai embolar tudo.”

Crise com o Senado

Do lado do Congresso, a avaliação é que a criação da CPI vai tornar mais difícil uma negociação que já era tensa e não caminhava. Apesar de o Planalto defender que havia avançado nos acordos, pelo lado do Senado a avaliação era que nada tinha sido acordado.

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As alternativas alinhavadas no Palácio do Planalto na quinta-feira tinham sido conversadas com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas nada chegou até o Senado a não ser conversas genéricas, disse à Reuters uma fonte do Congresso. Com a CPI, toda conversa fica mais difícil.

“Agora tudo vai ficar muito tenso. O Judiciário incita ali o Executivo por meio de uma CPI no Senado, o Executivo vai tentar rebater o Judiciário, e usa essa questão do Orçamento também junto ao Congresso… Ou seja, vai ficar um jogo muito estranho entre os Poderes”, disse fonte ligada ao Executivo.

O mau humor do Congresso com o ministro da Economia não arrefeceu e só tem piorado. Por mais de uma vez Guedes culpou os parlamentares pelo desenho de um Orçamento que reduziu a previsão de despesas obrigatórias para aumentar o valor para emendas. O texto final, de acordo com especialistas, tornou-se inexequível e pode levar o presidente a crime de responsabilidade se assiná-lo.

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A tentativa do ministro de retirar a culpa da equipe econômica pegou mal no Congresso e é um dos principais pontos de tensão nessa negociação.

Os acontecimentos recentes só pioram uma situação que já não era boa. No Planalto é claro que as falas de Paulo Guedes e as acusações do ministro acabaram com qualquer capacidade de diálogo entre ele e os parlamentares.

Crise com o Supremo

A reação do presidente Jair Bolsonaro à decisão de Barroso foi a pior possível. Pela manhã, em conversa com apoiadores, o presidente disse que faltava “coragem moral” ao ministro e sobra “ativismo judicial” e “politicagem”.

Em entrevista exclusiva ao Valor Econômico, o ministro da Casa Civil Luiz Eduardo Ramos criticou a abertura da CPI no Senado e disse que o objetivo da comissão é apenas atingir o presidente. 

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Ao contrário de Bolsonaro, Ramos evitou ataques diretos ao ministro do STF Luís Roberto Barroso. “Decisão judicial, você tem que cumprir. Isso é sagrado”, disse ao jornalista Fabio Murakawa

No entanto, o ministro foi claro ao dizer que Estados e municípios teriam igual responsabilidade sobre eventuais erros no combate à pandemia. “Se a CPI está buscando erros cometidos com relação ao combate à COVID-19, não pode ir somente em cima da União”, disse.