A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 11, o Projeto de Lei Complementar 146/19, conhecido como Marco Legal das Startups. O texto que já havia sido aprovado pela Câmara, retornou à Casa para nova aprovação, já que o Senado alterou a proposta. Agora, a tramitação segue para sanção presidencial.
Base para outros reconhecimentos, fica então estipulado pelo texto que as startups são empresas com modelos de negócios inovadores com até 10 anos de fundação (cadastro no CNPJ) e receita bruta de até R$ 16 milhões no ano anterior.
As startups poderão ainda receber aporte de capital, por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação em seu capital social, dependendo da modalidade de investimento escolhida.
Segundo o deputado Vinicius Poit, relator da proposta aprovada, o texto contém nove capítulos que tratam de tópicos relacionados a definições legais, ambiente regulatório, medidas de aprimoramento do ambiente de negócios, aspectos trabalhistas, fomento ao desenvolvimento regional das startups, participação do Estado nessas empresas, alterações na Lei do Simples para contemplá-las e incentivos aos investimentos.
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Das dez emendas incluídas pelos senadores, sete foram acatadas na Câmara. “Dadas as condições do que chegou do Senado para a Câmara, tivemos os vetos corretos,” avalia Kiko Afonso, diretor-executivo do grupo de advocacy Dínamo.
Um desses vetos foi a remoção da possibilidade de remuneração de funcionários de startups por participação nos lucros da empresa – as chamadas stock options. Para Afonso, o texto que estava tramitando não contemplava da maneira correta esse dispositivo.
Confira abaixo os pontos negativos e positivos da proposta na avaliação do especialista.
Licitações
O texto aprovado define uma modalidade especial de concorrência na qual a administração pública pode restringir licitações para contratação de “soluções inovadoras” apenas às startups. “É um texto que evolui bastante e dá bases sólidas para um processo de construção de licitações,” pontua Afonso.
O valor máximo que a administração pública poderá pagar a essas empresas é de R$ 1,6 milhão, por contrato.
Obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação
O texto aprovado também prevê que empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação por receberem incentivos do governo, poderão cumprir esses compromissos via aporte de recursos em startups.
“Amplia-se o espectro para que essas empresas possam pegar parte dos recursos e aplicar em fundos de participação (FIP) ou fundos patrimoniais que apliquem investimento em startups,” complementa o executivo.
Além de poder investir nessas modalidades de fundos, as empresas também poderão aportar recursos para programas de aceleração de startups e editais destinados a financiamento, em parceria com órgãos públicos como BNDES, Finep, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Para Afonso, cria-se um espaço para que esse recurso ajude também na criação da cultura da inovação e tecnologia para as startups, ampliando as possibilidades de investimento nessa categoria de empresas.
“Há grandes ganhos olhando o projeto como um todo: o primeiro é ter uma definição de startups pra que se possa criar leis pra essa definição; a segunda é a tentativa do projeto de blindagem do investidor, especialmente o investidor anjo, que hoje é contemplado por uma jurisprudência dúbia. Esse texto traz um reforço nesse sentido. A compensação de perdas para os investidores anjo é um ganho, mas ainda sem prever um incentivo fiscal/tributário de se investir em startups,” explica.
Stock options
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Para Afonso, a remoção do tópico que tratava sobre as chamadas stock options também foi acertada. Modelo de remuneração no qual a empresa possibilita a compra de ações pelos funcionários, o tópico foi suprimido em fevereiro, no Senado, com alegações de que o instrumento não era exclusivo das startups e a questão demandava tratamento de forma mais ampla, em legislação própria e exclusiva.
“Da forma como o texto previa [as stock options], realmente era necessário remover o tópico, mas é também uma grande derrota não incluir a questão das stock options,” pontua.
Livros eletrônicos
Enquanto a versão original do texto previa que as startups teriam permissão para publicar documentos como balanços anuais digitalmente, ela também definia dois critérios para isso: apenas empresas com faturamento anual inferior a R$ 78 milhões e com menos de 30 acionistas seriam elegíveis.
A limitação do número de acionistas acabava deixando de fora os casos de startups que arrecadam dinheiro por meio de sistemas como o crowdfunding – captação de recursos de investimento onde se pode ter vários investidores e, por sua vez, um grande volume de acionistas. O projeto aprovado no Senado, em fevereiro, removeu essa barreira e os deputados reiteraram a decisão no texto aprovado. Apenas o critério de faturamento se manteve.
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Compensação de perdas
No texto aprovado em fevereiro, os senadores haviam inserido o prazo de cinco anos no artigo que tratava sobre a compensação de perdas, por parte de investidores anjo, incorridas em outras operações de investimento em startups para fins de apuração do ganho de capital, nos casos de venda com lucro das participações societárias convertidas.
No novo texto aprovado, essa limitação de cinco anos foi removida.
“O texto tem pontos muito positivos, mas especialmente as questões que são as incentivadoras do surgimento de startups, como incentivos a investimentos, que removem burocracias, mudam o regime tributário; elas inexistem na proposta,” avalia Afonso.
Segundo o especialista, investidores seguem sem nenhum incentivo para tirar recursos de um investimento aplicado e destinar os valores a uma startup. Isso porque questões tributárias, como a de startups poderem se tornar sociedades anônimas e ainda assim se manterem no regime tributário do Simples, não constam na proposta aprovada. “Toda a questão de equiparação tributária a LCIs e LCAs foi ignorada, não tem nada de incentivo fiscal para nenhum tipo de investimento,” comenta.
Embora a proposta seja considerada um avanço para o ecossistema de startups no país, Afonso avalia que o texto aprovado ainda deixa o país em desvantagem na comparação com outros ecossistemas quanto a questões regulatórias, abrindo margem para que se aumente a lacuna de competição entre startups brasileiras e de outros países.