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Medida do Banco Central da Argentina ameaça sustentabilidade de fintechs que oferecem contas digitais

Decisão que entrou em vigor neste mês de janeiro determina que 100% dos saldos das carteiras digitais fiquem imobilizados com a autoridade monetária, o que coloca a operação estilo "tarifa zero" dessas empresas em risco

Foto: Piotr Swat/Shutterstock
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No último dia 30 de dezembro, o Banco Central da Argentina (BCRA) determinou que, a partir deste mês de janeiro, os bancos devem estabelecer uma reserva de 100% dos recursos depositados pelas fintechs que oferecem contas digitais no país, mais especificamente as carteiras digitais, para, supostamente, “prevenir contingências e garantir que esses fundos estejam disponíveis” aos seus usuários.

Isso quer dizer que ao invés de o dinheiro ficar nas contas dos bancos locais – parceiros das fintechs – ele ficará imobilizado no Banco Central, o que pode colocar em risco a sustentabilidade do modelo “tarifa zero” dessas plataformas.

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Em nota logo no dia seguinte à medida, a Câmara Argentina de Fintech, entidade que representa o setor, disse que a medida não faz sentido, pois, na prática, os recursos das contas de pagamentos sempre estiveram à disposição dos usuários, depositados integralmente em contas à vista de bancos locais. Quando depositados nos bancos locais, esses saldos “rendem” juros para as fintechs, o que ajuda a sustentar toda a lógica do negócio.

A entidade lembrou que, nos últimos 4 anos, foram criadas 25 milhões de contas digitais no país, com essa quantidade dobrando a casa ano.

Na Argentina, há pouco mais de 30 fintechs enquadradas pela nova resolução. Mercado Pago, ou braço financeiro do Mercado Livre, e Ualá são as maiores e tendem a sofrer queda de receita, mas e os impactos nas demais? Esse é o questionamento de Ignacio Carballo, economista, professor, diretor do Ecossistema Fintech da Universidade Católica de Buenos Aires e afiliado do Cone Sul da AMI (Americas Market Intelligence).

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Um relatório da Nau Securities, empresa britânica que presta serviços de consultoria e pesquisa de ações especializada nos mercados da América Latina, apontou que, com base nos resultados da empresa no terceiro trimestre do ano passado, o Mercado Pago poderá perder entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões anualmente se medida persistir.

Esse é o montante anualizado estimado para o que o Mercado Pago receberia em rendimentos de 15% a 20% sobre os US$ 270 milhões que tinha em saldos depositados em bancos locais no terceiro trimestre do ano passado, segundo a Nau Securities.

Os saldos que estão aplicados em investimentos básicos integrados às contas não fazem parte da nova exigência, ou seja, não precisam ficar retidos com a autoridade monetária. O Mercado Pago é uma das fintechs que oferece esse tipo de produto, inclusive como forma de atrair mais usuários e fazê-los efetivamente usarem a conta.

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“O estudo aponta que o MeLi pode lidar com essa perda, mas outras carteiras digitais provavelmente não. A medida pode levar a uma maior concentração dos principais players: MeLi e Ualá, que aguarda aprovação para comprar a licença bancária do Willobank. O relatório também indica que essa perda na Argentina pode implicar em maior ênfase na estratégia do Mercado Pago em outras economias: Brasil onde já possui habilitação e pode receber bens e emitir cartão de crédito, Chile e México”, avalia Carballo.

Até o momento, o Banco Central da Argentina não voltou atrás na medida e as fintechs continuam cobrando diálogo.